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DISCO - LANÇAMENTOS
Baú de Gil liberta 88 raras e/ou inéditas
PEDRO ALEXANDRE SANCHES
enviado especial ao Rio
Nunca houve isso na MPB. A caixa de luxo "Ensaio Geral", com 11
CDs de Gilberto Gil, 56, promove o
mais extenso projeto de revisão da
carreira de um compositor que o
Brasil já presenciou.
A caixa -acompanhada de livro
ilustrado, de capa dura, bilíngue-
tem tiragem inicial de 10 mil cópias. Em princípio, a gravadora diz
que não lançará os CDs avulsos. O
preço pode chegar a R$ 300.
O inventário abrange o período
que Gil passou na PolyGram -hoje Universal-, com faixas gravadas entre 1966 e 1977. São reeditados seis álbuns solo do período
-"Refazenda" (75) e "Refavela"
(77) não entram, pois pertencem
agora à gravadora WEA-, com
um total de 22 faixas-bônus.
Os outros cinco CDs são compostos de material raro ou inédito.
Aqui se inclui "Cidade do Salvador", CD duplo com 22 faixas que
comporiam um LP nunca lançado.
"Foi uma surpresa descobrir que
entre "Expresso 2222" (72) e "Refazenda" ele gravou um disco inteiro.
Os arquivos não falam desse disco.
O tempo foi passando e ele não
lançou, não sei por quê", diz o pesquisador Marcelo Fróes, 32, que
coordena há quatro anos o projeto.
"Naquela época ficou incompleto. Não teve título, nem ordem de
faixas. Gostaria que tivesse saído,
embora eu mesmo tenha decidido
não lançar. Não lembro bem por
quê, talvez tenha percebido que seria um disco muito solto, desamarrado das exigências do mercado",
tenta lembrar Gilberto Gil.
Um outro álbum, que teria sido
iniciado por Gil em Londres, em
71, e seria seu segundo LP de exílio,
não foi encontrado. Na busca, entretanto, Fróes descobriu, em Londres, seis gravações esquecidas sob
a etiqueta "brazilian film music",
sem qualquer referência a Gil.
Foram compostas por encomenda do cineasta Rogério Sganzerla,
para seu filme "Copacabana Mon
Amour" (70). "São gravações absolutamente livres. Aquilo não é
quase nada", define-as o artista.
Outros blocos de faixas pouco
conhecidas se encontram nos CDs
"O Viramundo", de gravações ao
vivo feitas entre 72 e 75, e "Satisfação - Raras & Inéditas", do período 74-77, que inclui parcerias com
João Donato, Chico Batera, Nara
Leão e a Brazil Very Happy Band,
grupo de black music que Gil constituiu antes de iniciar "Refavela".
"Essa caixa tem valor político
enorme. Todos os artistas da MPB
têm farto material inédito, e a caixa
de Gil pode abrir a cabeça das gravadoras", diz Fróes, que afirma já
estar trabalhando com material
inédito de Caetano Veloso.
"É um panorama amplo de uma
época", define Gil. "Dá idéia de um
artista em formação, em sua volúpia, em sua impetuosidade, em seu
frescor. Ao mesmo tempo, me dá
resignação em relação a coisas que
nunca vou poder aperfeiçoar."
Ele reflete sobre o material inédito: "São objetos que foram refugados, por já naquele instante não
possuírem um padrão mínimo. Os
"failures" (fracassos) ensinam muito sobre uma época. Essa "marginália" toda diz sobre a história, por
onde caminhei, o que rejeitei".
Uma das características que se
evidenciam no material inédito é o
pendor de Gil ao experimentalismo, em parte regado por experiências com drogas. "Eu ficava ali entre muitos ácidos, era maconheiro
-e fazia macrobiótica. A droga
era um ingrediente entre tantos
outros, um fetiche dessa época."
Ele continua: "Falavam muito do
barato, mas o que era o barato? Você tinha que viver. Vejo pelas fotos
na caixa, os olhos sempre pipocados, algo brilhando no interior".
Daí ao experimentalismo: "Era
uma época de desconstrução de todo um conjunto de objetos culturais já estabelecidos. Era o ideário
de quebrar, de romper, de descomprometer. A juventude historicamente é assim. Hoje há o rap".
Marcelo Fróes estendeu sua pesquisa à WEA, gravadora em que
Gil está desde 78, embora sem projeto concreto. Segundo ele, também aí há discos inéditos.
"Mas já é outra fase, não há mais
os takes alternativos, com banda
tocando ao vivo no estúdio. Nessa
fase, já virou fábrica de automóvel,
em que se faz um chassi e se vão colocando as peças", diz.
Gil parece concordar: "Hoje, os
estúdios terceirizaram tarefas,
chega-se neles com as obras já decupadas, dissecadas. Com isso, a
arte ganhou precisão, mas perdeu
a espontaneidade do desconstruído. Toda solução é um novo problema".
"Ensaio Geral", aberto ao Gil
mais experimental, é hora de voltar àquela pré-história da indústria
nacional de sucessos.
O jornalista
Pedro Alexandre Sanches viajou a
convite da gravadora PolyGram/Universal
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