São Paulo, sexta-feira, 08 de dezembro de 2006

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Crítica/"Coleção Arnaldo Jabor", "Tudo Bem" e "Eu Sei que Vou Te Amar"

Diretor faz leitura crítica dos valores da classe média

CRÍTICO DA FOLHA

Era comum ouvir, nos tempos pré-DVD, que um diretor não vinha junto do filme para explicá-lo.
Logo, a obra precisaria estabelecer sozinha a ponte com o espectador, que não teria essa "bula" privilegiada à qual recorrer para descortinar sutilezas e intenções deliberadas.
Agora, muitos pais acompanham as crias quando elas chegam ao DVD - por meio de entrevistas e depoimentos extrafilme, de comentários que acompanham a exibição e até mesmo de curtas que lançam novo olhar sobre o próprio longa (vide "Amor à Flor da Pele", de Wong Kar-wai) ou sobre a obra pregressa (os discos com filmes de M. Night Shyamalan).
Arnaldo Jabor se inclui entre eles ao apresentar os sete longas, um curta e um episódio de série de TV reunidos na coleção que traz 100% de sua carreira como realizador. Gravados em 2006, seus depoimentos têm rompantes de sinceridade incomum. "Não é um filme que se organizou com clareza", diz ele sobre "Pindorama" (70), por exemplo. "Não é fácil de entender, mas eu explicando fica mais claro." Em termos.
Ao cobrir 25 anos de sua produção, do curta "O Circo" (1965) até "Carnaval" (1990), episódio da série européia de TV "Amor à Primeira Vista", a caixa não só ilumina Jabor, mas também parte da filmografia brasileira desse período -aquela nascida no centro do cinema novo- e certa idéia de representação do país (ou a possibilidade de) buscada.
Aqui, a tecla acionada é a da classe média. O primeiro longa de Jabor, o documentário "A Opinião Pública" (1967), se dedica a ela, com profunda ironia.
"Multidão de indivíduos solitários" que "pensam ter algo a perder", diz o narrador. Intervenções do diretor à parte, estão lá representantes da classe média carioca falando a respeito do que pensam e fazem, em material de pesquisa notável sobre o país no intervalo entre o golpe de 1964 e o AI-5. Jabor retomaria a ambientação social, agora na ficção, com "Toda Nudez Será Castigada" (1972) e "O Casamento" (1975).
Excelentes releituras da obra de Nelson Rodrigues, os dois alavancam "Tudo Bem" (1978), ápice dos procedimentos do Jabor cineasta: espírito de alegoria (o país em um apartamento de funcionário público aposentado), ênfase na significação dos elementos da cenografia, dramaturgia de raízes teatrais, abordagem tropicalista. "Eu Te Amo" (1980) e "Eu Sei que Vou Te Amar" (1986) empreendem a radicalização dessa estratégia antinaturalista, com poucos personagens isolados em um imóvel. A classe média passa a olhar só para o umbigo, ou para o coração, onde moram as dores de amores e o medo da solidão. A psicanálise rouba espaço da sociologia. (SÉRGIO RIZZO)

COLEÇÃO ARNALDO JABOR    
Diretor: Arnaldo Jabor
Lançamento: Versátil
Quanto: R$ 199

TUDO BEM     
Produção: Brasil, 1978
Com: Fernanda Montenegro

EU SEI QUE VOU TE AMAR    
Produção: Brasil, 1986
Com: Fernanda Torres, Thales Pan Chacon
Quando: ambos a partir de hoje no Frei Caneca Unibanco Arteplex


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