'Coxinha' é apelido assumido por manifestantes antigoverno

Na boca e nos cartazes do povo. No último domingo (15), a popularidade das coxinhas extrapolou as vitrines de padarias e lanchonetes.

O termo, que não consta no dicionário, mas pode designar de "massa frita com recheio de frango desfiado" a "mauricinho", tem ganhado novos significados e vem sendo motivo de orgulho na internet.

Para muita gente, ele passou a representar os manifestantes antigoverno, principalmente após os protestos da última semana.

Na passeata na Paulista, que reuniu 210 mil pessoas, segundo a aferição do Datafolha, o gerente administrativo Jackson Marçal, 32, publicou uma foto com pessoas de verde e amarelo e a legenda: "Sim, sou coxinha, e daí?".

Para ele, hoje a palavra significa "classe média trabalhadora, que não aceita mais essa roubalheira".

Uma definição semelhante vem circulando em redes sociais nos últimos dias: "propenso ao trabalho e ao estudo" e "aquele que dá valor ao mérito". Ao se deparar com a imagem do verbete, o universitário Raphael Canova, 19, não hesitou em se declarar "coxinha", e com orgulho.

Ele gostou da nova interpretação da palavra. "Se você taca no Google, não aparece mais playboy, mauricinho. O coxinha intitulado era rico, mas não é isso. Não sou rico, nem meus amigos são."

Além de se apropriar da expressão para representar suas posições políticas, esse grupo aproveita para fazer brincadeiras com o rótulo. No dia da manifestação, Marçal publicou também uma foto com duas taças de champanhe dizendo que estava a caminho do protesto. Ele afirma, no entanto, que nunca foi chamado pelo apelido e que prefere rir a se incomodar. "A maioria das pessoas com quem convivo são 'coxinhas' também. A gente tira sarro."

Essa estratégia gerou piadas. Alguns dizem que ser "coxinha" é melhor do que ser pastel e enroladinho.

O professor de ciência política da PUC-SP Pedro Arruda diz que essa forma de encarar o rótulo é semelhante à do bullyng infantil, quando a criança desconstrói a expressão pejorativa diminuindo sua importância.

"Com os chamados 'petralhas' [o oposto dos 'coxinhas'] aconteceu a mesma coisa. Durante a campanha para presidente, eles criaram um grupo chamado 'eu resolvi 'petralhar''. Os conceitos acabam sendo usados normalmente, como o 'porco' para o time do Palmeiras."

Apesar das brincadeiras, há quem considere as duas classificações perigosas e prejudiciais para o debate. "Fica um discurso de ódio. Não sou de classe média alta, mas sou contra o governo. Assim, as pessoas não aceitam a opinião do outro", diz a estudante Aline Alves, 26.

Embora afirme usufruir de programas federais de bolsa e financiamento estudantil como ProUni e Fies, Aline se diz contra o "protecionismo" e a favor da "meritocracia". "Nada na vida vem do céu, nem vem de graça. As pessoas não têm os mesmos direitos, mas têm condições de lutar por isso."

'PETRALHAS'

A publicitária Carol Sanchez, 32, chegou a escrever um desabafo on-line reclamando que estava cansada de ser chamada de "coxinha". "Quando escrevi, um amigo comentou que acontecia o mesmo com ele, mas o chamavam de 'petralha'."

Ricardo Silveira, 36, "o petralha" amigo de Carol, diz acreditar ter sido rotulado desta maneira por não estar alinhado à direita e por defender causas sociais. A discussão, afirma, não dá oportunidade para nuances de nenhum dos lados. "As pessoas se precipitam, não querem conhecer o ponto de vista do outro."

Arruda, da PUC, considera que a polarização é uma maneira de simplificar o debate, de não se aprofundar nos argumentos. "É um conceito que pretende explicar tudo, mas acaba não dizendo nada."

Segundo Rodrigo Prando, sociólogo e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, o que ocorre é uma espécie de "futebolização" da política.

"Passamos por um momento de rebaixamento do discurso político", diz, citando o embate gastronômico entre "coxinhas" e "esquerda caviar". "Algumas lideranças deveriam contribuir para um discurso menos voltado para o estereótipo e mais para a apresentação de ideias."

Com o objetivo de apaziguar as discussões, há até páginas que fazem brincadeiras sobre as brigas entre amigos com divergências políticas. O perfil do Facebook "Coxinha S2 Petralha" publica, desde outubro, cartazes com frases irônicas destinadas a esses dois grupos.

De acordo com o professor Rodrigo Prando, o uso das gírias tende a perder força nos próximos meses. "Mesmo porque esse acirramento político não pode ser constante, senão tudo fica inviável."

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