Marcos Nogueira

Jornalista, é autor do blog Cozinha Bruta.

Marcos Nogueira

Homem e churrasqueira, um amor bandido

Há uma relação atribulada de possessividade e ciúme

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O sujeito pode ser um executivo bem-sucedido, pós-graduado, polido, perfumado, poliglota e viajado. Quando a churrasqueira está sob sua responsabilidade, ele se torna um troglodita preparando a caça para a galerinha da caverna. Não mexa com ele.

A tara dos homens pela churrasqueira é algo que merece estudo.

Ela transcende classe social. Afeta o cidadão que corta um barril de piche ao meio para assar uns frangos no carvão. E também o playboy que encomenda uma parrilla com coifa sueca para o colega arquiteto.

Não é amor, é apego. Homens e churrasqueiras têm uma relação atribulada de possessividade e ciúme. O encarregado do churrasco pode até fingir que não se importa, mas queima por dentro quando alguém oferece ajuda.

Seu sangue ferve mais do que o do Sidney Magal na fase cigana: “Como assim??? Ajudar... sei bem. A churrasqueira é minha. MINHA, entendeu? Nem vem que não tem. Eu estou com uma faca afiada, não vê? É cego ou não tem amor à própria vida?”

Afortunadamente, nossos 7.000 anos de civilização filtram tais pensamentos. Eles se traduzem num discurso apenas ligeiramente hostil: “Tá sussa aqui. Eu curto o trampo. Vai lá e pega uma gelada, que daqui a pouco eu solto uma linguicinha punk de tão apimentada”.

O homem do churrasco é um lobo solitário no convescote familiar. Enxota todos que se aproximam. Vai petiscando e bebendo e sacudindo a bunda numa dancinha ridícula que ele, de costas para a festa, acha que ninguém vê.

Manda asa e coração de frango, pão de alho, queijo no palito, palmito pupunha e costelinha de porco para saciar a fome dos convivas. Sua estratégia é de longo prazo, ele é um corredor de fundo: a picanha, 
o tomahawk, o maldito wagyu de 300 contos vão sobrar para ele. Tudo para ele.

Mas aí a cerveja cobra sua fatura. O churrasqueiro precisa ir ao banheiro, abandonar o posto. Quando o primo se oferece para olhar o fogo e não deixar a carne queimar, ele não tem como recusar.

O homem não pode perder tempo. Ainda abotoa a bermuda no retorno às brasas sagradas. O primo o tranquiliza.

“Ó: joguei um água no fogo, que estava alto demais. E reguei a carne com um pouco de malzbier... fica macia que dá gosto!” O. Primo. Jogou. Malzbier. No. Bife. Ancho. Dry. Aged. De. 120. Dias.

E, assim, famílias aparentemente normais desmoronam como uma pilha de carvão. Triste, isso.
 

Ilustração Silvia Rodrigues

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