Micro-ônibus de São Paulo rodam sem cobrador após mudança na lei

Após mais de uma década de debates e de uma mudança na lei, as cadeiras de cobrador de ônibus começam a se esvaziar.

De acordo com o SPUrbanuss, sindicato das viações, 80% dos cobradores das cooperativas, responsáveis pelos micro-ônibus, já foram dispensados. Os motoristas agora cobram e dirigem ao mesmo tempo.

Na última segunda-feira (23), trabalhadores do setor protestaram o fim dos cobradores durante uma audiência pública sobre a reorganização do sistema de transporte da cidade.

A função era preservada por lei, mas a gestão Fernando Haddad (PT) pediu a alteração da regra, aprovada na Câmara em dezembro, o que tornou opcional a presença do cobrador.

"Não há ação articulada [para a dispensa]. Cada cooperativa tem autonomia", diz Paulo Vieira, coordenador jurídico da Ocesp, que representa as cooperativas, responsáveis por metade das viagens feitas pelo sistema de transporte municipal.

Desde a criação do Bilhete Único, em 2004, a permanência dos cobradores é questionada, pois o uso do dinheiro diminuiu e hoje responde por 7% das 9,3 milhões de viagens diárias.

"No final do mês, aumenta o uso do dinheiro, pois o vale-transporte acaba e as pessoas continuam saindo", pondera Ricardo Silva, 39, motorista de cooperativa na zona sul, que passou a receber um adicional pela nova função, que inclui liberar a catraca para idosos e auxiliar no embarque de cadeirantes.

O secretário de Transportes, Jilmar Tatto, planeja vetar o pagamento em dinheiro nos ônibus. De acordo com o SPUrbanuss, a manutenção dos 15 mil cobradores das viações, que operam as linhas mais longas, demanda R$ 1 bilhão ao ano. O subsídio às empresas atingiu R$ 1,7 bilhão em 2014.

Os cobradores dos ônibus maiores também podem deixar seus postos. Nos corredores de ônibus em projeto, a SPTrans, que gerencia o transporte municipal, prevê que o pagamento será feito nos pontos, e não dentro dos veículos, a exemplo do que é feito em Curitiba e Belo Horizonte. O órgão planeja que esses profissionais passem a trabalhar nas paradas.

"Não há política de dispensa de funcionários. Os cobradores deverão ser realocados em outras funções", afirmou a SPTrans por meio de nota.

O órgão municipal diz que as empresas que não cumprirem as regras poderão ser punidas com base nas regras a serem definidas no edital de licitação que mudará a forma como as viações são contratadas, previsto para sair nos próximos meses.

SEM REGISTRO

O debate sobre o fim dos cobradores dura mais de uma década. Em 1999, a gestão Celso Pitta implantou em algumas linhas o pagamento com um bilhete magnético, vendido fora dos ônibus, que rodavam sem cobrador. A ideia foi abandonada em alguns meses.

Em 2001, foi criada a lei 13.207, que exigia a presença de dois profissionais a bordo de cada coletivo, o que garantia o emprego dos cobradores. A regra foi alterada nos últimos dias de 2014, por meio de um artigo incluído numa lei de parcelamento de impostos, que também criou o passe livre para estudantes.

Criadas em 2003, as cooperativas foram a forma encontrada para formalizar os perueiros, cuja concorrência com os ônibus era intensa. Na época, elas ficaram com as linhas locais, enquanto as viações, que contratam seus funcionários pelo regime CLT, passaram a operar os trajetos mais longos.

Nas cooperativas, os donos dos veículos ganham por produção e dividem os custos, como do diesel, entre si. Esses proprietários geralmente são os próprios motoristas, que chamam os cobradores para trabalhar e pagam a eles de acordo com o número de viagens feitas, muitas vezes de modo informal.

Vitor Alves, 18, ficou por dois anos na linha 9785, que parte da Vila Terezinha, na zona norte. "Trabalhava das 4h20 às 14h e ganhava R$ 35 por dia. Nunca fui registrado", lembra. "Foi meu segundo emprego. Entrei lá porque era melhor que trabalhar em lanchonete, onde tinha muita exploração".

O salário-base de cobrador é de R$ 1.242, de acordo com o sindicato da categoria, que não quis dar entrevista para esta reportagem.

A justificativa dada para a dispensa de Vitor foi a instalação de um novo tipo de validador, que possui câmera para tirar fotos dos passageiros. O equipamento visa evitar fraudes, cuja fiscalização era parte do trabalho do cobrador.

Apesar do revés, Vitor já está em seu terceiro emprego, agora em um restaurante. Resta saber como seus ex-colegas seguirão viagem.

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