Conflito entre Uber e táxis em SP leva prefeitura a estudar regulação do app

Para taxistas, clandestino. Para quem usa, confortável. Para a prefeitura, ilegal e carente de regulação. Para quem dirige, lucrativo. Para investidores, uma ideia de US$ 40 bilhões.

O Uber não é consenso. Desde sua chegada ao Brasil, em junho de 2014, o aplicativo que conecta motoristas de veículos de alto padrão a passageiros provoca reações fortes.

O serviço de transporte funciona por meio de um aplicativo no qual passageiro e motorista se cadastram. O primeiro recruta o segundo pelo smartphone, assim como acontece com os aplicativos de táxi.

A diferença é que o veículo que chega não é branco, não tem taxímetro nem bandeiras tarifárias. É comum o motorista, de terno, abrir a porta e oferecer água ou chicletes no caminho.

O pagamento é feito pelo celular e os preços variam segundo a demanda. O custo da viagem pode ser vantajoso ou não, dependendo do momento do dia e do tipo de trajeto.

O funcionamento é parecido ao de um táxi, mas não é o de um táxi. A diferença, aparentemente sutil, está por trás de uma polêmica que levou a empresa à Justiça, causou a apreensão de veículos e faz o sindicato dos taxistas ameaçar uma paralisação geral.

LEGALIDADE

Para a prefeitura, a regra é clara: levar passageiros a bordo de um carro e cobrar por isso é atuar como táxi, serviço sob supervisão da administração e que precisa atender a regras como ter placa vermelha, alvará e taxímetro, além de pagar taxas. Como carros do Uber não têm nada disso, podem ser apreendidos. Só em 2014 foram 17.

A gestão Haddad estuda formas de regularizar a iniciativa. "É algo novo, complexo, veio pra ficar e tem que ter alguma regulamentação", diz Jilmar Tatto, secretário de Transportes.

Editoria de arte/Revista sãopaulo

A discussão parou na Justiça neste ano, quando o Simtetaxis, que reúne empresas paulistas do setor, entrou com um processo contra o Uber. Um juiz concedeu liminar que interrompia o serviço no país, mas dias depois ela foi revogada por outra magistrada.

Ela disse que, por ser de interesse coletivo, o sindicato não teria legitimidade para mover a ação. Isso caberia ao Ministério Público. A empresa diz apenas ligar dois interessados, apesar de ganhar 20% do valor das corridas.

Enquanto o poder público discute, o Uber opera. Pelo menos 1.200 condutores, segundo entidades de taxistas, se cadastraram no serviço em São Paulo. A empresa não divulga dados específicos do Brasil.

'É COMO A INVASÃO DO IRAQUE'

Ilegal, clandestino, invasor. O presidente do Simtetaxis, Antonio Matias, não poupa adjetivos ao falar da situação do Uber. "Estão invadindo o país como os EUA invadiram o Iraque."

A ausência de regras para o funcionamento do Uber o torna alvo de debate jurídico. A prefeitura fala da necessidade de regular a atividade, mas as entidades de classe são contraditórias. Elas afirmam que querem que o aplicativo se adapte às leis atuais, sem regras específicas para ele, mas também mencionam a proibição sem possibilidade de regulação.

"Se é regulado pelo governo, ninguém pode fazer nada. Enquanto não é regulado, vamos batalhar para que isso não aconteça", diz Natalício Bezerra, presidente do Sindicato dos Taxistas Autônomos de São Paulo.

Na terça-feira (12), representantes do setor foram à Brasília pedir o apoio de políticos. Segundo o Simtetaxis, tiveram a promessa do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, de que a legislação não será modificada. O Ministério Público Federal também investiga a legalidade do serviço.

O debate sobre o Uber é complexo, pois remonta às origens do serviço de táxi. Se todos que possuem carros resolvessem vender caronas, haveria concorrência desmedida e colapso no mercado. Quem acena para um táxi também não possui informações sobre o motorista e o veículo. "Na ausência de qualquer regra, o serviço funcionaria muito mal e poucos se aventurariam a utilizá-lo", avalia Paulo Furquim, professor do Insper e especialista em regulação.

Na prática, o Uber toma para si o poder de fiscalizar parte do sistema de transporte individual, já que faz a seleção de motoristas por conta própria, tarefa que compete às prefeituras.

O aplicativo, por sua vez, diz que o serviço não é ilegal porque veio depois da legislação. Seria uma opção nova que se choca com leis desatualizadas.

"Colocar o Uber num modelo antigo não faz sentido. É como comparar Netflix com televisão. Ele foi criado depois das leis atuais e precisa de regulação específica", diz Fábio Sabba, porta-voz do aplicativo no Brasil.

"Ninguém sabe como regular porque a questão é nova. Detroit fez regulação com prazo de um ano. Caso não dê certo, vão revê-la", exemplifica Pedro de Paula, pesquisador do centro independente InternetLab.

Além desse modelo, especialistas citam alternativas, como o cadastro de e condutores em órgãos públicos e o pagamento de taxas pelo Uber para evitar concorrência desleal.

RECLAMAÇÕES

As principais reclamações dos taxistas são que os parceiros do aplicativo não precisam desembolsar taxas para prefeitura e não pagam impostos.

No entanto, todos os taxistas paulistanos são isentos de ISS (Imposto sobre Serviços) sobre as corridas. Já os motoristas de Uber, se forem autônomos e tiverem registro na prefeitura como tal, precisam pagar o tributo.

Os taxistas também têm descontos fiscais para comprar veículos. "Eles reclamam de barriga cheia", diz um motorista ligado ao aplicativo que pediu anonimato.

Regular a atividade não é garantia que tributos sejam equilibrados. "No país, as partes regulatória e tributária não conversam. Regulam um novo serviço, mas ninguém fala da parte tributária", diz o advogado Helio Moraes.

Mexer na lei para incluir atividades como a do aplicativo poderia ser uma chance de atualizar a legislação, segundo Pedro de Paula. "A lei precisa ser atualizada, independentemente do Uber. Não faz sentido o ponto de táxi, que é de 1960, se você tem aplicativos."

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'ME ASSUSTEI COM O PREÇO'

O motorista recebe o passageiro com um sorriso, oferece água e pergunta se o ar-condicionado está na temperatura certa. Quando chegam ao destino, desce para abrir a porta.

Tanta simpatia dos condutores do Uber tem razão prática: após a viagem, o passageiro o avalia numa escala que vai até cinco estrelas. Se a média ficar abaixo de 4.6, o profissional pode ser advertido e até expulso do serviço.

Por outro lado, os motoristas também podem avaliar os passageiros.

Apesar das exigências, profissionais do Uber dizem que o negócio é vantajoso. "Trabalhando dez horas por dia, dá pra tirar R$ 2.000 por semana", diz David (que pediu para não ser identificado), há sete meses no aplicativo.

Naldo Rodrigues, 38, dirige das 19h às 4h um Ford Fusion. "No dia, faço outras coisas, como trabalhos de modelo." À noite não tem bandeira 2, mas faz mais viagens pelo trânsito menor.

Quem também usa o Uber à noite, mas como passageiro, é o estudante Arthur De Nicola, 25. "Vou a festas onde é complicado estacionar e para evitar problemas com a Lei Seca." O serviço já o levou a Osasco, por R$ 80. Na volta, o jeito foi usar táxi, o que saiu mais caro porque pagou a taxa de 50% por ir a outro município.

O Uber é forte no centro expandido, de onde é possível partir para toda a Grande SP. Mas não há garantia na volta: é preciso ter sorte de um condutor estar por lá. As tarifas do Uber ignoram limites de cidades e bandeiras, e têm lógica própria. Se houver forte demanda em uma região, o preço sobe e pode atingir até 50% a mais.

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"É uma forma de equilibrar a demanda e atrair motoristas para aquela área", explica Fábio Sabba, porta-voz do Uber. "O sistema dá opção para o usuário aguardar e pagar menos, conforme a demanda se estabilizar."

Por essa lógica, eventos como grandes shows poderiam atiçar o time do Uber. Mas ocorre o contrário. "Evitamos saídas de eventos porque é comum ter fiscalização", diz David.

Outro local que junta motivação e receio são os aeroportos. Em Guarulhos, apenas táxis de uma cooperativa local podem receber passageiros.

Apesar das restrições provocadas pela fiscalização, o serviço conquista usuários. O gerente de negócios Joziel Ribeiro, 30, é um deles. "Senti a cordialidade, a frota diferenciada. Não dão voltas para a corrida ficar mais cara."

A atenção no tratamento com o passageiro surpreendeu a advogada Diana Weiss, 30, nas três vezes em que usou o Uber. Apesar da experiência, o preço evitou que ela fizesse suas seis corridas semanais com o aplicativo.

Do Itaim a Higienópolis pagou R$ 82. "Tomei um susto porque não dá para acompanhar o valor. No táxi gastaria R$ 50. Mas o serviço é excelente."

Segundo o taxista Cleyldson Oliveira, que dirige um SUV, para quem quer conforto, existe o táxi executivo, que estaria tendo mais dificuldades com a concorrência. "Bom atendimento tem, ar-condicionado tem. O pessoal quer chegar na festa de Uber porque parece motorista particular."

Para recuperar público, os táxis poderiam investir em wi-fi nos carros e dar desconto para corridas compradas com antecedência, sugere Marcos Troyjo, professor de políticas públicas na Universidade de Columbia e colunista da Folha. "O Uber tem o mérito de quebrar a inércia de um determinado setor, o que traz eficiência e grandes vantagens ao consumidor."

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POLÊMICA PELO MUNDO

O Uber atua em 54 países e em boa parte deles houve protestos contra seu funcionamento, alguns com registros de conflitos. Em Paris, ele foi multado em 1 milhão de euros e é investigado por oferecer translados que custam a partir de 1 euro (R$ 3,43).

Na Alemanha, Portugal e na Espanha, o serviço sofreu restrições na Justiça, mas opera em algumas categorias. Na Índia, a suspensão ocorreu após uma passageira dizer ter sido estuprada por um motorista do Uber em dezembro. O serviço foi liberado pouco depois, mas decisão da Justiça determinou novo bloqueio.

No país asiático, o Uber enfrenta concorrência do Ola, com funcionamento similar. Nos EUA, há o Lift. Nenhum deles chegou ao Brasil ainda.

Embora aqui a empresa ofereça só carros de luxo, o serviço tem várias categorias, que incluem SUVs, compartilhamento de viagens entre desconhecidos e táxis convencionais.

O Uber defende que o uso de carros compartilhados pode diminuir o trânsito. Um estudo do Fórum Internacional de Transportes fez projeções com base em Lisboa e, lá, se todos os carros fossem compartilhados, o número de veículos poderia cair em 90%.

No entanto, a pesquisa mostrou que, se a cidade não tivesse boa rede de metrô, a mudança geraria aumento do número de carros. Isso porque menos pessoas iriam querer andar a pé ou de ônibus, já que estariam acostumadas com o conforto do veículo.

Colaboraram DIMMI AMORA, LEANDRO COLON, AMON BORGES, BRUNO SORAGGI, ELVIS PEREIRA, FLÁVIA FARIA e RAFAEL ANDERY

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