Alessandra Leão sugere mergulho íntimo sonoro em novo trabalho

"Aço", novo disco de Alessandra Leão, 36, leva o ouvinte para um lugar estranho, obscuro, entre o despertar e o inconsciente. O EP (CD com menos músicas do que um álbum) que ela apresenta pela primeira vez na quarta (27) —ao qual a sãopaulo teve acesso com exclusividade— é um mergulho íntimo da cantora, mas que poderia ser o de qualquer um ao avançar para dentro de si, em direção aos próprios abismos. Não é fácil.

O trabalho é o segundo capítulo de um projeto de três EPs (com cinco canções), iniciado em 2014 com "Pedra de Sal" e que deve ser finalizado neste ano, com "Língua".

"A trilogia fala de um mergulho. Vem da minha terapia. 'Pedra de Sal' é o começo. 'Aço' é a parte mais profunda. É mais dançante também, mais visceral, o que não quer dizer que seja tenso. Em 'Língua', farei o caminho de volta", explica a pernambucana.

Além do olhar reflexivo, "Língua", que também é nome do trio de CDs, é orientado pela obra "O Filho de Mil Homens", do português Valter Hugo Mãe. A escolha parte de uma busca da artista em romper com limites da linguagem. "Naturalmente, quando eu vou compor, eu começo a ler mais, escutar mais música, ver mais filmes. Mas ainda estou no processo de entender como materializar isso. Como a apresentação pode ser não só um show de música? Como ouvir a canção e pensar que poderiam ser poesias?", indaga.

Divulgação
Alessandra Leão lança o seu novo EP, "Aço"
Alessandra Leão lança o seu novo EP, "Aço"

"Aço" evoca uma presença nordestina, a partir das referências de sol e de sombra constantes, e de uma mística religiosa. Alessandra tem afinidade com umbanda e candomblé, embora não tenha relação com alguma instituição espiritualista. Cada capítulo da trilogia é dedicado a um orixá. "'Pedra de Sal' é para Iemanjá, protetora, rainha do mar, a mãe de todos os orixás. 'Aço' é para Ogum, do ferro e da força, que abre caminhos. E 'Língua' para Oxum, dos prazeres, da alegria. Mas é um processo mais íntimo que se relaciona com a energia eu quero me conectar em cada parte".

O trabalho mantém os ritmos nordestinos característicos do trabalho da artista, como o coco e o maracatu, e é marcado por uma presença insistente de sintetizadores e de sons repetitivos de guitarras, criando uma sonoridade parecida com um mantra. Isso fica mais evidente quando há reincidência de palavras em algumas canções, como "Prolonga" (Prolonga de mim minha sombra/Além de tudo a sombra/Espalha no chão, espalha no chão/Prolonga de mim minha sombra).

O acréscimo de ruídos que, às vezes, pende para o rock, tem (e não) a ver com a mudança de Alessandra para São Paulo. "Achar que não tem isso no Nordeste não é justo. Esses primeiros capítulos são ruidosos, densos, tem distorção, grito, tudo o que tem no maracatu. E Recife é tensa, ruidosa e pode ser muito mais caótica do que São Paulo", elucida.

Segundo a artista, o resultado se refere a ela e a banda —formada por Caçapa (arranjos e guitarra), Guilherme Kastrup (bateria), Rafa Barreto (guitarra), Missionário José (baixo) e Mestre Nico (percussão), além de Kiko Dinucci (guitarra) pontualmente— nesta época e não em São Paulo. "Acho que a criação é esse reflexo do que você é em um momento. O mundo que a gente lida é ruidoso, angustiante, distorcido. Ele suspira no meio do caminho, tem amor, mas não tem silêncio. Talvez por isso esteja presente em tantos trabalhos", continua.

Do próximo episódio musical, a cantora diz que não pode antecipar informações porque não está pronto. Mas dá pistas de que tem uma relação ainda mais forte com a escrita. Há uma composição inspirada em uma crônica de Xico Sá. Além disso, ela explica que dividiu a obra em partes do corpo. A primeira fração diz respeito a ossos e alma. A segunda às vísceras, "do que me constitui". A última é a língua, o que está por fora. "Volto a respirar", conclui.

Casa de Francisca. R. José Maria Lisboa, 190, Jardim Paulista, tel. 3052-0547. 44 lugares. Qua. (27): 21h30. 80 min. 18 anos. Ingr.: R$ 35. Reserva p/ casadefrancisca.art.br. Ingr. p/ casadefrancisca.art.br.

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