Jovens mudam a cara da Santa Cecília, que vira 'bairro da moda'

Dois espaços tradicionais da Santa Cecília sempre flertaram com a fama. No Esquina Grill do Fuad, na Martim Francisco, fotos nas paredes registram atores e até ex-presidentes. Na rua Canuto do Val, reduto de bares, a empresária Lílian Gonçalves planeja fazer uma calçada com nomes de artistas.

Nos últimos dois anos, porém, estabelecimentos diferentes chegaram e começam a mudar a cara do bairro. Em comum, valorizam o trabalho autoral, a economia colaborativa, a simbiose com raízes locais e a conexão com um público que evita produtos de consumo de massa.

Entre os ao menos 11 novos endereços na região, há restaurante meio "slow food", lanchonete de hambúrgueres artesanais e um bar que recebe exposições.

"Grandes editoras já vieram nos procurar, mas só aceitamos produções independentes", conta João Varella, 30, da Banca Tatuí. Ali são vendidos livros, fanzines e obras de arte. Reformada com projeto de um escritório de arquitetura, a banca recebe até shows em seu teto.

Para urbanistas, a chegada de novos atores reflete duas tendências: a redescoberta das áreas centrais, com imóveis a preços acessíveis e boa estrutura de transporte e de serviços, e o maior uso de espaços públicos.

"Quando o mercado percebe interesse, reage rápido e passa a oferecer produtos para esse novo público", diz Valter Caldana, diretor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo do Mackenzie.

"A Santa Cecília é centro, por ser bem localizada, mas não é, pois tem muitas residências e pouco barulho", diz Talitha Barros, 35, que abriu o Conceição Discos há um ano e meio. Pioneira na nova onda, ela ajudou outros a se instalarem no bairro, como o Holy Burger e o Beluga Café, ao qual fornece lanches de rosbife.

"A longo prazo, esse aumento do interesse do mercado pode expulsar pessoas de renda menor", pondera Pablo Hereñú, professor da Escola da Cidade. A comparação com a Vila Madalena é inevitável: imóveis menores deram lugar a edifícios de classe média alta e, com a subida de preços, o local deixou de ser opção de moradia para estudantes, parte do público que criou a aura cultural do lugar.

A região da Santa Cecília ganhou prédios nas décadas de 1960 e 1970, mas a verticalização foi contida pela chegada do Minhocão. "A presença dele ajuda a segurar o preço dos imóveis na região", afirma Caldana.

Por outro lado, o elevado também é creditado como um dos protagonistas da renovação. A chance de a via se tornar parque atiça o mercado: são ao menos dez novas incorporações na região. "Quando vejo essas placas com 'baixo Higienópolis', quero morrer!", diz a empresária Luciana Obniski, 32.

Editoria de Arte/Folhapress

TRADICIONAL E GOURMET

Comerciantes que se instalaram na região antes do elevado veem com bons olhos a chegada de novos negócios. "Pensamos em criar um roteiro gastronômico", conta Lilian Sallum, 36, sócia do Esquina Grill do Fuad.

"A Santa Cecília é o bairro mais legal da cidade agora. Tem um pouco de Higienópolis e um pouco do centro.", diz Adriane Lisboa, 25, arquiteta e, há um ano, moradora do bairro.

"É o bairro da moda", diz Derek Fernandes, 25, arquiteto e sócio do Elevado Café e Bar, instalado ao lado do Minhocão desde maio.
Esse ambiente ganha novo charme com o despertar de dualidades: brechós novos ao lado de alfaiates cinquentenários, loja de bolos tradicionais contígua a uma confeitaria gourmet, sebo de discos versus restaurante moderno que vende vinis.

"Existe aqui uma identidade muito específica e é importante mantê-la. As pessoas têm amor por esse lugar", diz Adriane, à frente do escritório de design de interiores Pair, também uma loja. "A gente não tem o mesmo movimento de uma Oscar Freire nem o mesmo custo de aluguel."

A inovação alcança até os mais tradicionais redutos da região. É o caso do Ugue's, hoje do outro lado da rua e com ares modernosos.
Lílian Gonçalves, 67, inaugura nesta semana um espaço de comida saudável, o Tudo com Banana, ao lado dos outros cinco bares da Rede Biroska.

"Teremos bebidas detox, como o 'suco do preguiçoso'." Já Luciana, habitante do bairro, vai abrir um bar ali em breve: "A ideia é fortalecer essa outra economia, a vivência saudável". Dois mundos se encontram.

Mapa de Santa Cecília

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