Com ajuda da internet, paulistanos buscam o budismo para desestressar

Homens de camisa social e mulheres de terninho tiram seus sapatos para entrar na sala. Ao fundo, o altar envidraçado reúne estátuas de 12 budas. A recepcionista entrega um folheto com uma prece, que será entoada durante a aula. "É a primeira vez?", pergunta.

Boa parte das pessoas naquela sala do Centro de Meditação Kadampa Mahabodhi, em Pinheiros (zona oeste), não havia se convertido. Mas buscava nos ensinamentos de Buda um alívio para o estresse causado pela agitação da cidade, pelo noticiário e pela falta de sentido na vida.

"Vivemos tempos degenerados. Você concentra a felicidade em algo exterior. Só se quer o seu, não importa o outro. Para nós, pouco importa se as pessoas são budistas. Queremos que se beneficiem dos ensinamentos, que sejam felizes e façam os outros felizes", diz a monja Kelsang Mudita, que leciona no espaço da escola Kadampa, uma das linhas do budismo.

Todo mês, cerca de 600 alunos circulam pelo centro, muitos dos quais tiveram o primeiro contato com o budismo pela internet. Sites e redes sociais ajudam na disseminação de ensinamentos de Buda (sutras) e de aulas de monges brasileiros.

A monja Coen Roshi é uma das que aproveitam as ferramentas virtuais. Autora de cinco livros, a paulistana de 68 anos adepta da escola Zen ganhou milhares de fãs com seus vídeos no YouTube. Com média de 13 minutos de duração, eles tratam de temas familiares ao budismo, como compaixão e morte.

O Caminho do Meio

"Tem sido muito interessante. Onde vou as pessoas me dizem: que bom te encontrar, só te conheço pelos seus vídeos. Uma freira que os assistia disse: 'Te conheço tanto que você já é minha amiga'. Tenho me dado conta de como o Facebook deu retorno."

No templo Taikozan Tenzuizenji, no Pacaembu, onde mora, a monja falou como o momento difícil pelo qual o país e o mundo passam pode influenciar a busca pela espiritualidade. E que nunca foi tão chamada para dar palestras em empresas quanto neste semestre. "As pessoas estão com medo. E com medo não trabalham, ficam travadas, e são mandadas embora. [Há] níveis altíssimos de depressão", afirma, ponderando que, para ela, o clima de crise não corresponde à situação real do país.

Sobre a vida na cidade, Coen acrescenta que se deve aproveitar momentos como o trânsito para encarar a dinâmica urbana de forma diferente."Tentar começar a ver acertos: pode pensar no que tem para fazer, organizar a mente para uma reunião... A iluminação significa isso: 'Acorda! Se liga, meu'. São Paulo, o mundo e a vida exigem isso. É a presença absoluta."

Bruno Santos/ Folhapress
O caminho do meio - Em busca da espiritualidade, paulistano recorre a técnicas da filosofia budista para encarar seus problemas e a vida na cidade com mais equilíbrio - Centro de Dharma da Paz, na Zona Oeste de São Paulo, matéria para a Revista São Paulo, que busca iniciantes na prática do Budismo. (Foto: Bruno Santos/ Folhapress) *** FOTO *** EXCLUSIVO FOLHA***
Sessão de autocura no Centro de Dharma da Paz (zona este), que segue a linha tibetana do budismo

CONVERSÃO

"Não temos o conceito de converter ninguém", explica lama Michel, 34, um dos principais líderes espirituais brasileiros do budismo tibetano ""a palavra se refere aos que dedicam a vida ao estudo e propagação do conhecimento da religião, assim como os monges em outras linhas do budismo.

Paulistano e atualmente morando na Itália, ele diz que qualquer pessoa pode participar. "Não tem nenhum tipo de restrição."

A defensora pública Virgínia Catelan, 30, foi uma das que optaram por não se converter. Durante quatro meses ela fez um curso introdutório com a monja Coen. Agora, tenta meditar em casa, e considera a mudança de postura o melhor resultado das aulas. "Tem tudo a ver com a minha profissão, com a empatia pelo reú."

Pai do lama Michel e fundador do Centro de Dharma da Paz, Daniel Calmanowitz, o monge Daniel, afirma que budismo não é só religião, mas também filosofia de vida.

"É uma filosofia de autoconhecimento. Ao mesmo tempo, pode se entender como uma religião, porque existe um 'objeto de refúgio', que, no caso cristão, seria Jesus. Tem as duas coisas, e não precisa ser da religião para praticar a filosofia."

A gestora de projetos sociais Denise Suyama, 39, tirou proveito dessa filosofia para amenizar a ansiedade. Ela começou a frequentar rodas de meditação e discussão da tradição tibetana há três semanas. "Estou mais tranquila e até criativa", afirma ela, que frequenta o espaço do Centro de Estudos Budistas Bodisatva, no centro, ligado ao lama brasileiro Padma Santem –que em seus livros compara ensinamentos de Buda a situações do cotidiano.

A aplicação de técnicas de meditação à rotina é um dos atrativos da filosofia para muitos paulistanos. O consultor Denis Misuni, 36, cita o trânsito."Não adianta reclamar. Além de não resolver, faz mal. Você sente a raiva vindo, mas tem que respirar fundo."

A musicista Carol Bahiense, 33, desde 2014 no zen-budismo, diz que a prática a fez encarar um atolamento numa estrada deserta, no meio da noite, com tranquilidade. "Não entrei em pânico, comecei a pensar em soluções."

Luisa Dörr/Folhapress
O caminho do meio - Em busca da espiritualidade, paulistano recorre a técnicas da filosofia budista para encarar seus problemas e a vida na cidade com mais equilíbrio - Novos budistas. Virginia Catelan (30), denfesora pública, fez o curso de iniciação ao budismo da monja Coen. Local: Templo SotoZen Budista Taikozan Endereço: Rua Desembargador Paulo Passal·qua, 134, So Paulo, SP - So Paulo, BRA - Brazil Fotos: luisadorr/Folhapress, Revista sopaulo)
A defensora pública Virgínia Catelan, 30, em templo de zen-budismo no Pacaembu, onde fez um curso com a monja Coen

ESPIRITUALIDADE E RELIGIÃO

A prática da filosofia budista (no Ocidente) se expande num contexto de descrença de instituições religiosas, que vem desde os anos 1960 e permanece, explica o professor do programa de pós-graduação em ciências da religião na PUC Frank Usarski.

Segundo ele, nos Censos, as pessoas que se dizem sem religião não são necessariamente ateias. Muitas são espirituais, acreditam num ser superior, mas não estão ligadas a nenhum representante religioso (segundo o IBGE, 243.966 pessoas se disseram budistas no país no último Censo, de 2010 –75.075 na capital paulista).

"Uma das vantagens do budismo é o lado terapêutico. Tem técnicas que podem ser feitas individualmente, não só para alcançar a iluminação, mas o próprio caminho pode ajudar a pessoa. Parece que budismo é uma sabedoria universal, da qual posso me apropriar sem me relacionar com uma instituição", analisa Usarski.

As diferenças do budismo para outras religiões, principalmente no que diz respeito aos dogmas, atraíram a arquiteta Lara Baroni, 44, que há três meses frequenta o Centro de Meditação Kadampa Mahabodhi.

"Respeito todas as religiões, mas quando o catolicismo começa com suas regras, não cabe na minha vida." Ela diz que, quando passou a frequentar as sessões de meditação e palestras, perguntou à monja Kelsang Mudita o que fazer com Jesus. "Ela disse: 'Continue, ele é tudo de bom.'"

A diversidade de pessoas que os ensinamentos de Buda alcança e a abertura das práticas para todos, independentemente da conversão, levam à alta rotatividade nos templos e centros de meditação, dizem os entrevistados.

Para lama Michel, o interesse pelo budismo vem crescendo. "Não faz parte da normalidade do paulistano, mas não é uma coisa mais tão incomum."

No Centro de Meditação Kadampa Mahabodhi, a expansão se mostra nos retiros espirituais. Se nos últimos anos o número de participantes ficava em torno de 380, em 2015 saltou para 500. Dentre eles, 50 nunca haviam tido uma experiência budista.

Fabio Braga/Folhapress
O caminho do meio - Em busca da espiritualidade, paulistano recorre a técnicas da filosofia budista para encarar seus problemas e a vida na cidade com mais equilíbrio - Templo Budista Zu Lai. Budismo na Cidade de Sao Paulo. (Foto: Fabio Braga/Folhapress, FOTO)***ESPECIAL***.
Templo budista Zu Lai, em Cotia (a 30 km de São Paulo), é aberto à visitação

DESCONHECIMENTO

O professor Frank Usarski pondera que, no primeiro contato, muitos desconhecem a complexidade da religião e, ao se aprofundarem, optam por não se converter."O budismo exige disciplina intelectual, conhecimento profundo das doutrinas. Uma das verdades é que a vida é sofrimento, e poucos gostariam de conhecer isso."

O consultor de private banking Sérgio Pereira, 34, já ultrapassou essa fase. Mesmo sem nunca ter pensado em virar monge, ele, recém-formado na FGV, foi morar por um ano no templo de budismo chinês Zu Lai, em Cotia (31 km da capital). Depois, passou seis meses em um monastério em Taiwan.

De volta ao ritmo paulistano, foi a centros de linhagem tibetana e japonesa. Para o consultor, não há conflito entre a filosofia e a profissão capitalista.

"No budismo você não tem muito essa ideia do certo e do errado. Tem a ideia do carma, de que tudo o que você faz volta para você. Cada um tem a sua função na sociedade. Tento desempenhar a minha, trazendo ensinamentos e praticando técnicas que aprendi."

Praticar nem sempre é fácil. Na quarta (9), enquanto novatos aprendiam técnicas da meditação em uma sessão para iniciantes no templo Busshinji, na Liberdade, na vizinhança começaram a tocar, no último volume, funks com letras (bastante) sexuais.

"Como se concentrar?", perguntou-se ao monge Jisho Handa, 60. "Nossos vizinhos, os pernilongos... Ajudam. O 'zazen' não é fuga do mundo. O pensamento vem, mas tem que se retirar. É como a raiva. Você pode querer senti-la, mas ficar com ela é trabalhoso."

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