Emilio de Mello e Fernando Eiras falam sobre finitude em duas peças

Talvez o que mais seduza nas peças "In on It" e "Os Realistas" seja o fato de que os textos acabam sendo tão importantes quanto a abstração do que não é dito —e cada um pode assimilar o que é contado em cena de forma diferente a cada dia.

Além dessa subjetividade que instiga a reflexão, os espetáculos têm em comum a presença dos atores Emilio de Mello e Fernando Eiras, que fazem essa "dobradinha" na capital.

Em "In on It", que é avaliado como ótimo pelos críticos da Folha e reestreia no Teatro Jaraguá na quarta (6), os atores interpretam uma história em três camadas, falando sobre um acidente e o fim de um amor. O texto é do autor canadense Daniel MacIvor.

Já em "Os Realistas", que estreou neste sábado (2) no Teatro Porto Seguro e é escrito pelo norte-americano Will Eno, eles contracenam com Debora Bloch e Mariana Lima e falam sobre dois casais vizinhos que descobrem muitas similaridades entre si —em meio a doença e angústias.

"Os dois textos tratam da finitude, tema comum a todo ser humano, e ambos têm muito humor", diz Mello. "Mas cada um tem linguagens e estilos completamente diferentes."

Eiras cita uma frase de "In on It", que diz que "qualquer dia pode ser em potencial o seu último dia", para fazer conexão com "Os Realistas". "A doença que Eno fala na peça é a doença da morte. Os dois autores pensaram nessa coisa do humano, na solidão que mata, que destrói."

E completa falando sobre ficar em cartaz em dose dupla. "É muito bom estar em São Paulo fazendo as duas peças. São Paulo é a melhor praça do teatro da América Latina. Buenos Aires e México são praças muito boas, mas, em minha opinião, São Paulo supera essas praças pela diversidade cultural e pela maneira como o público recebe e considera o teatro."

Os Realistas. Teatro Porto Seguro. Al. Br. de Piracicaba, 740, Campos Elíseos. Sex. e sáb.: 21h. Dom.: 19h. Ingr.: R$ 50 e R$ 100. Ingr. p/ ingressorapido.com.br.

In on It. Novotel Jaraguá. R. Martins Fontes, 71, tel. 2802-7000. Qua. e qui.: 21h. Reestreia: 6/4. Até 26/5. Ingr.: R$ 60. Ingr. p/ ingressorapido.com.br.

Lenise Pinheiro/Folha Imagem
Fernando Eiras (à esq.) e Emilio de Mello (à dir.) em cena de "In on It", que fica em cartaz no Teatro Jaraguá
Fernando Eiras (à esq.) e Emilio de Mello em cena de "In on It", em cartaz no Teatro Jaraguá

BATE-PAPO

EMILIO DE MELLO

O que mais te chamou atenção no texto de "Os Realistas"?

A primeira vez que li o texto senti que não conseguia compreendê-lo pelas palavras escritas nele. Me prendi nas palavras e me perdi. Mas senti que havia algo especial por trás de todas aquelas letras, um pensamento que eu não conseguia ainda decifrar. Então decidi fazer o espetáculo para poder decifrá-lo junto com meus companheiros.

Cada dia de ensaio nos aproximava mais e mais do pensamento proposto por Eno [autor], tudo fazia cada vez mais sentido e nosso amor e admiração por aquele trabalho aumentava a cada dia. Hoje, apesar de estarmos completamente misturados com esse texto e pensarmos que o compreendemos, temos ainda a impressão de que há ainda muito a encontrar, e é essa busca que propomos ao público noite após noite em cada sessão.

Você estabelece relação entre "Os Realistas" e "In on It"?

Ambos têm muito humor. Ambos tratam da finitude, um tema comum a todo ser humano. Porém cada ser humano trata a finitude de uma maneira bem particular, e tanto MacIvor quanto Eno falam sobre isso em seus textos.

Ambos carregam um caráter psicanalítico em suas construções, mas cada um com linguagens e estilos completamente diferentes, vale muito conferir esses grandes autores contemporâneos.

*

FERNANDO EIRAS

Você acha que "In on It" e "Os Realistas" conduzem o público a caminhos diferentes?

Para responder esta pergunta, me veio uma frase do final do "In on it", quando o meu personagem diz para um outro personagem: "Olha, a esta altura pode acontecer a qualquer momento. Podem ser dias, meses ou talvez semanas. Mas, na verdade, qualquer dia pode ser em potencial o seu último dia. Então, eu aconselho a viver a sua vida de acordo com essa oportunidade".

Eu penso na relação total com "Os Realistas", porque a doença que o Eno fala na peça é a doença da morte. Tem um livro de Marguerite Duras onde ela fala sobre a doença da morte. Eu sou leitor dela. Gosto muito dela e especialmente deste livro. Ela fala sobre a doença da morte. A doença que nos mata, que nos separa e nos isola do outro. A doença da separação. Eu acho que o Eno fala muito disso na peça dele também.

Nas peças, os silêncios também são muito importantes. Você acha que a comunicação entre as pessoas hoje em dia está precária?

Eu acho que o Eno fala muito disso na peça dele. A doença de não ouvir o outro. A doença de não estar atento e vivo para o outro, para o que você é, o que você sente. A qualidade da sua voz. Onde você joga sua voz? Onde você foca sua voz? Como você fala com o outro? Com quem você fala?

A importância do outro. A consideração pelo outro e pelo coletivo. Isso é que é viver democraticamente, no sentido mais límpido da palavra. Então, eu sempre penso no Eno quando tem algumas passagens que falam sobre essa coisa de existir, estar vivo e estar aqui, estar preenchido. Eu acho que existe essa similaridade entre os textos, no sentido em que os dois autores pensaram nisso. Pensaram nessa coisa do humano. Na solidão que mata, que destrói, que separa, que isola e que adoece o ser.

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