Uma noite no baile que teve Fafá 'vestida de pomba' e tapas de Naomi

Noite de sexta-feira, 15 de abril, antevéspera da votação do prosseguimento do impeachment presidencial na Câmara dos Deputados. É duro falar de outro assunto, a não ser que o sujeito esteja no jardim de uma mansão que ocupa um quarteirão do Jardim América, e que ganha retoques finais para receber uma constelação que compreende estrelas como Ricky Martin, Ivete Sangalo e Kate Moss.

O baile de gala da AmFar, organização sem fins lucrativos, não era hora para crise. A sexta edição do evento aconteceria na mansão de Dinho Diniz, neto do fundador da rede Pão de Açúcar e dono de uma cervejaria. De tão acostumado ao auê da montagem do evento, que dura cinco semanas, o dono da casa passou pelo evento só de toalha, uma hora antes de ser estrado o tapete vermelho montado na entrada da casa. "É uma barulheira que começa às nove da manhã", diz Diniz, "mas vale a pena. Faço com todo o prazer".

Às 20h30, chegam as primeiras pessoas que pagaram a partir de US$ 1.500 (ou R$ 5.000) por um ingresso. Na falta de famosos, voltam sua atenção e as câmeras dos celular a Amora –apesar do nome, o lhama é macho pra chuchu.

Perto da lhama estava o homem responsável pela festa. "Eu estaria mentindo para você se dissesse que não pensamos [em cancelar]. Sim, eu estava preocupado com a crise. Eu não questionava se a gente conseguiria fazer o evento, mas sim se os brasileiros iriam querer o evento", diz Kevin Robert Frost, o presidente da AmFar enquanto fuma uma cigarrilha. "Mas as pessoas mostraram que querem ir adiante com tudo no país. E a luta contra a aids faz parte desse espírito", diz o ex-cantor de ópera.

A meta da instituição é encontrar a cura para a doença nos próximos quatro anos. "Há casos de remissão [do vírus na corrente sanguínea]. Vamos conseguir mais casos, entender como fazer isso e estender para mais gente. O prazo segue sendo factível"

São dez bailes de gala com o nome Inspiration pelo mundo. MIlão, Paris, Nova York, Cannes etc."Tentamos ir para cidades globais. E que lugar melhor para influenciar a América do Sul do que São Paulo?" O evento de São Paulo só perdia para o de Los Angeles em arrecadação. Ao menos até este ano.

A versão local tem suas peculiaridades. O desapreço dos comensais locais pelo horário impresso no convite obrigou a organização a atrasar seus horários. "Na primeira festa, só servi o jantar, previsto para as 21h, perto da meia-noite. Meu chefe queria me matar", conta o produtor do evento, John Wood, em pé para ser alvejado por um ventilador, na noite que marcou 28°C. "Mas acabou virando hábito." Outra peculiaridade do evento paulistano é seu ânimo: "É o único gala da AmFar que vai até o sol raiar".

'NO, THANK YOU'

Os convidados atrasaram, mas vieram. Naomi Campbell, apresentadora do leilão, desponta por volta das 21h30. Anda pelo salão tão lisa quanto suas madeixas. "Posso fazer uma selfie?", pergunta uma empresária. "No, thank you", e dá um tapinha na mão que, tão brasileiramente, segurou no seu braço. Uma atriz arrisca a mesma frase, mas em inglês. "No, thank you." Uma entrevista, Naomi? "No, thank you".

Não é exclusividade dos convidados zelar por sua imagem. A AmFar destacou uma funcionária para acompanhar cada passo e pergunta da reportagem.

"Quem era aquela? Sobre o que vocês conversaram?", inquiriu a assessora de imprensa depois de a advogada Regina Manssur, mais conhecida pela participação no programa "Mulheres Ricas", ter dito que iria embora para Paris, caso o impeachment não fosse adiante na votação do dia seguinte. "Estou falando sério, meu filho, quanto tempo mais você acha que vou viver?", disse Manssur, 60 anos declarados envelopados num vestido de paetês azuis.

Chega Fafá de Belém. "Não sei se vale a pena falar com ela", aconselha a profissional contratada pela organização. "Não tem muita ligação com a história do evento." Mas tem com a história do país. O vestido branco de Fafá, com uma fenda no cólo que elevava o sutiã à condição de acessório, foi escolhido com um propósito além da estética. "É para homenagear todas as pombas que soltei em nome da democracia", diz a cantora, que foi musa do movimento Diretas Já. "Tem que acabar essa divisão ridícula. No estado democrático, todos podemos existir."

Grazi Massafera também tinha opiniões políticas, mas as preferiu guardar sob as poucas regiões sem transparências do vestido preto Dolce & Gabbana. "É uma questão muito íntima", disse. Sobre benemerência, entretanto, ela se abriu. "Acho que nós, que temos algum destaque, poderíamos fazer mais. Eu pretendo fazer mais."

Sou convidado a me retirar assim que começa o leilão, junto com todos os demais jornalistas e fotógrafos que estavam ali a trabalho. Um colega de Folha que permaneceu no baile, como convidado, seguiu na colheita de informações

Um beijo na boca de Ricky Martin é vendido por US$ 90 mil após disputa. A mulher do dono de uma das maiores redes de fast fashion do Brasil lamenta não ter podido fazer um lance. O cônjuge não achou o investimento prudente.

"Acho engraçado que só mulher fez lance por esse beijo, né?", comenta Luciana Gimenez, ornamentada por R$ 2 milhões nos dedos, ao redor do pescoço e pendurados nos lóbulos. Alguém pergunta como ela teve coragem de sair com tanta joia: "Vim de 'blindex' [carro blindado]!".

Gimenez fez uma das poucas menções à moeda nacional da festa. Quem passava pelo tapete vermelho era teletransportado para um território onde o dólar era a lei. Todos os valores são contados e cobrados em verdinhas na festa.

Anitta comprou uma porta grafitada pelo duo brasileiro osgemeos por US$ 100 mil. Ivete comprou por US$ 90 mil o direito de ser retratada por Vik Muniz em sangue, flores ou chocolate. O resultado final do convescote deixou entrever um pouco do que acontece com o país fora da mansão de um quarteirão: arrecadou-se US$ 1,6 milhão no gala de 2016, contra US$ 1,8 mi em 2015 e US$ 2,7 milhões em 2014. Mas sem crise.

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