Sem a opulência da Olimpíada do Rio, Pan de 1963 deixou lembranças em SP

As imagens da festa, dos ídolos correndo de lá pra cá e da torcida vibrando ainda estão na retina de Washington Joseph. Ele não se esquece da emoção de assistir à seleção brasileira de basquete campeã mundial no ginásio do Ibirapuera.

O garoto de 13 anos não tinha a exata dimensão do que acabara de presenciar. Mas tem certeza de que o que viu e viveu o aproximou ainda mais do esporte.

Dódi, como é conhecido, era um dos milhares de torcedores que acompanharam o primeiro grande evento internacional multiesportivo realizado no Brasil.

Os Jogos Pan-Americanos de 1963 não tinham a opulência da Olimpíada que o Rio receberá em agosto, mas deixaram uma marca que ultrapassa o esporte. São Paulo ainda guarda lembranças bem vivas daquela competição: o que foi palco dos atletas de elite até hoje atende os moradores.

O Pan foi realizado numa época em que os eventos esportivos não eram grandiosos. O uso do que a cidade já tinha a oferecer —hoje tido como receita para evitar desperdício de dinheiro— era a única saída.

"Eu sabia que era uma competição que reunia muitos países, mas não tinha a dimensão do peso de uma medalha. Descobri depois", diz Dodi. A seleção brasileira de basquete foi prata em 63. Perdeu na final para os EUA. Mesmo assim, serviu de inspiração.

"Assistir àqueles Jogos me fez querer treinar com mais afinco. Foi essencial para que eu me dedicasse mesmo ao basquete. Acabei fazendo parte do time que ganhou o primeiro ouro do Brasil em Pans, em 1971", completa.

O basquete disputou partidas no ginásio do Ibirapuera, até hoje um dos principais palcos do esporte nacional. É a casa do vôlei na capital paulista e acaba de receber uma etapa da Copa do Mundo de ginástica artística, aquecimento para os Jogos do Rio.

A maior parte das atividades do Pan, 60%, aconteceram em espaços públicos já existentes.

O Pacaembu era o centro nervoso do evento. Além da cerimônia de abertura e do futebol, abrigou atletismo, boxe, judô, lutas, natação e hipismo. Até hoje é um reduto de quem quer praticar esportes gratuitamente e oferece aulas de seis modalidades olímpicas.

No beisebol, a vitória dos cubanos sobre os EUA em meio a uma época turbulenta na política internacional na final aconteceu no Bom Retiro. O estádio Mie Nishi é o único campo público do Brasil para a prática do esporte e integra um complexo que oferece até aulas de sumô.

Os clubes sociais também abriram suas portas para o Pan. Cerca de 30% dos eventos aconteceram em instalações particulares.

Fernando Telles, 78, salta até hoje na piscina do Pinheiros, que era usada para os treinos em 1963. A competição de saltos ornamentais, da qual participou, aconteceu no Palmeiras. A plataforma continua lá mesmo após a reforma da arena de futebol. A piscina, logo ao lado, foi palco da histórica vitória do polo aquático do Brasil sobre os EUA, presenciada por crianças dispensadas mais cedo da escola para assistirem ao jogo.

"Isso é um uso racional [das instalações esportivas] de que tanto se fala hoje. O Pan usou o que já estava pronto e construiu poucas coisas que ficaram como legado, como o Crusp. Se fizer as coisas sem planejamento não funciona. Mesmo que se gaste muito, o importante é deixar o legado", diz Telles, membro da equipe máster do Pinheiros.

Os tempos eram outros, sem o glamour que esse tipo de competição carrega atualmente.

Telles treina para o Pan de 1963

Telles, que morava no Rio, viajou para São Paulo de Fusca, dirigido pelo então presidente da federação de natação, uma cena impensável hoje.

Além de não ter deixado nenhum elefante branco, os Jogos de 1963 permitiram a construção de um legado para a cidade.

O projeto de um alojamento e um restaurante para os estudantes da Universidade de São Paulo (USP) estava na gaveta havia anos à espera de verba para ser executado. E São Paulo não tinha uma estrutura adequada para receber todos os 1.655 atletas de 22 países que disputariam o Pan.

"Uniu o útil ao agradável. Com a ajuda do Pan, o dinheiro foi liberado", lembra João Roberto Leme Simões, da Faculdade de Arquitetura e Urbanisno da USP e um dos arquitetos técnicos da obra.

A construção exigiu velocidade dos trabalhadores. O projeto dos arquitetos Eduardo Kneese de Melo, Joel Ramalho e Sidney de Oliveira, que incluía seis prédios e um restaurante, teve de sair do papel em cinco meses.

"Fizemos em tempo recorde", diz Simões. Foi usada tecnologia de construção pré-moldada e só as paredes externas eram de estrutura convencional. "Isso ajudou muito a cumprirmos o prazo." As Forças Armadas se juntaram à mão de obra que ergueu as paredes.

Durante a competição, Simões foi encarregado de cuidar da manutenção do complexo.

"Todos pareciam bem satisfeitos, não houve reclamação. O clima na Vila era de festa.

Só tive um pouco de trabalho com algumas privadas quebradas pelos atletas", relembra. "Ficou um grande legado para a cidade."

O Crusp (Conjunto Residencial da Universidade de São Paulo) hoje tem vagas para 1.565 estudantes de baixa renda. O restaurante que serve a universidade é o mesmo que alimentou os atletas no Pan.

"Os norte-americanos comentavam que em São Paulo havia coisas maravilhosas, como aquelas construções na USP, e coisas horrorosas, com favelas e pobreza", diz Telles.

Para quem assistir à Olimpíada do Rio, em agosto, o Pan de São Paulo vai parecer coisa de filme antigo. Era um evento simples e modesto. Mas suas arenas, mais de 50 anos depois, continuam a receber o esporte de elite, de base e até a população que só quer se divertir.

Publicidade
Publicidade