Há um ano no cargo, diretor da Pinacoteca diz que experiência é 'ótima e derradeira'

Tadeu Chiarelli se levanta da cadeira onde está sentado e procura na mesa ao lado o cartão de visitas da Pinacoteca. Mostra que tem a logomarca antiga –a fachada do museu com portas e janelas coloridas–, a despeito da mudança visual que aconteceu em janeiro deste ano, quando o desenho do prédio projetado pelo arquiteto Ramos de Azevedo perdeu as cores e adquiriu traços mais simpáticos.

"Enquanto tivermos o cartão anterior, vamos usá-lo. Estamos sem grana, o momento atual está nos fazendo economizar", diz o crítico, curador e professor da Universidade de São Paulo, que no início de 2015 assumiu o cargo de diretor da Pinacoteca do Estado.

O paulista de Ribeirão Preto, hoje com 60 anos, chegou ao museu junto com a crise, logo após a demissão de 29 funcionários e um corte de 15% no orçamento para aquele ano.

Por falta de verba, a exposição com obras da fundação europeia Helga de Alvear, que aconteceria no ano passado, precisou ser adiada para 25 de junho.

Até setembro, o museu expõe 120 peças de artistas como Wassily Kandinsky, Marcel Duchamp e Cindy Sherman.

A alteração no calendário afetou também a mostra dedicada a Túlio Mugnaini -pintor e diretor da Pinacoteca entre as décadas de 1940 e 1960-, que estava inicialmente prevista para este ano e foi reagendada para 2017.

"Poderia ser pior, poderíamos ter cancelado as exposições, mas apenas adiamos", explica Chiarelli. "Acho que o que segura o museu é a equipe. Na crise, você estabelece coordenadas, mas precisa estar coberto por quem ajude. Está sendo uma excelente experiência profissional", ele resume, "mas espero que a última".

Antes de assumir a função, Chiarelli se preparava para tocar projetos pessoais. Queria preparar disciplinas para a pós-graduação da ECA (Escola de Comunicação e Artes) da USP, desenvolveria um projeto de estudo sobre retratos e planejava sistematizar a experiência à frente de algumas mostras no MAC (Museu de Arte Contemporânea), espaço que dirigiu de 2010 a 2014.

Quando surgiu o convite para assumir o cargo na Pinacoteca, Chiarelli, que já foi também curador-chefe do Museu de Arte Moderna de São Paulo, diz ter titubeado diante da responsabilidade. Mas o peso da instituição, o primeiro museu de artes da cidade, tornou a oferta irrecusável. "Marcelo Araújo, Aracy Amaral, Emanoel Araújo", ele cita outros que já assumiram a empreitada. "Como não fazer parte desse time?"

JOVEM E CENTENÁRIO

Além da mudança visual na logomarca, a instituição passou a enfatizar também, no lugar do nome Pinacoteca, o apelido "Pina_", uma tentativa moderninha de tornar a imagem do museu centenário mais jovem e aproximá-lo, assim, desse público. "Nós não fomos muito felizes nessa proposta", Chiarelli avalia, após críticas que associaram a escolha a um excesso de personalização.

A alteração, segundo ele, faz parte de um projeto amplo de recolocação do museu, que, de um lado, rejuvenesce e assume um compromisso maior com a arte contemporânea e, de outro, reforça sua longevidade.

"Os museus correm o risco de serem vistos como balcões de exposição. A dimensão institucional não é reconhecida na prática", diz. "As pessoas dizem: fulano está expondo na Pinacoteca. Isso é uma inversão, uma perversidade, houve uma escolha institucional."

Assim que entrou na Pinacoteca, o paulista tomou nota de uma série de eventos relacionados à comemoração dos 110 anos do espaço, que foi criado em 1905 após a transferência de 20 obras que estavam abrigadas no Museu Paulista. 2015 e 2016 seriam, por isso, anos de atividades para refletir a história da instituição.

A reedição do catálogo da mostra "Projeto Construtivo Brasileiro na Arte", realizada em 1977 por Aracy Amaral, e a exposição "Coleções em diálogo: Museu Paulista e Pinacoteca de São Paulo", em cartaz até 30 de janeiro de 2017, foram duas ações pensadas dentro desse propósito na gestão anterior, de Ivo Mesquita.

Em sua primeira atividade como diretor, Chiarelli optou por dar continuidade ao legado de Emanoel Araújo, hoje à frente do Museu Afro Brasil, que dirigiu a Pinacoteca durante dez anos, de 1992 a 2002. "Ele desenvolveu um trabalho importante e me interessava muito o fato de ele ter sido o primeiro negro na direção da Pinacoteca", explica.

O núcleo de artistas afrodescendentes no acervo do museu, inclusive, começou a ser formado graças a Araújo. Embora a primeira obra na coleção tenha sido um autorretrato de Artur Timóteo da Costa, doado por um colecionador em 1956, as primeiras aquisições aconteceram sob o comando do diretor baiano. Atualmente, o museu possui 27 obras.

Realizar a exposição "Territórios: Artistas Afrodescendentes no Acervo da Pinacoteca" foi a forma que Chiarelli encontrou de rever a coleção e apresentar, também, uma nova leva de artistas que passou a integrá-la.

A Pinacoteca adquiriu recentemente obras de Rosana Paulino, Jaime Lauriano, Rommulo Vieira Conceição e Flávio Cerqueira. "É um fato concreto, mais de 50% da população é de origem africana. Tenho obrigação de mostrar como essa parcela se manifesta artisticamente", afirma.

MENINA DOS OLHOS

Todas as terças-feiras, há 12 anos, das 9h às 12h, Chiarelli comanda um grupo de estudos na USP com o objetivo de pensar a fotografia dentro do campo da arte. "É a menina dos olhos", ele define, brincando que não abandonará o projeto nem após a aposentadoria. "Os alunos têm como porto-seguro, pois sabem que irão me encontrar sempre por lá."

E as inquietações do grupo ecoam na Pinacoteca. "Quero trazer exposições que suscitem questionamentos e mostrem como a fotografia é rica e pode se espalhar em vários domínios", diz. A ampliação do acervo fotográfico, hoje em torno de 700 obras, deve seguir a mesma linha.

Mesmo com o excesso de atribuições diante do museu, que fazem o diretor sentir que assistir às notícias na TV quando chega em casa, às oito da noite, é uma atividade intelectual de grande empenho, ele não abre mão das manhãs de terça nem das aulas que ministra às segundas, sobre a história da arte no Brasil no séc. 20.

"São atividades complementares. Quando estou fazendo uma exposição, não tenho dúvida de que meu público é o estudante e não posso discutir questões que não estariam ao alcance dele", diz.

Durante as aulas, ele não mede esforços, se põe em pé para captar a atenção dos alunos, narrando com entusiasmo os bastidores do romance entre Filomena Matarazzo e o artista Fulvio Pennacchi, "digno de novela das 21h". Não deixa, no entanto, de lembrar: "Não se esqueçam de ver o catálogo da exposição [sobre o artista italiano] que aconteceu na Pinacoteca".

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