Para ler nas férias: 'O Voyeur' é inspiração para observar prédio ao lado

Daigo Oliva-30.mai.2012/Folhapress
SÃO PAULO, SP, BRASIL, 30-05-2012, 17h00: Retrato do jornalista Gay Talese após palestra para repórteres da Folha de S.Paulo, em São Paulo (SP). (Foto: Daigo Oliva/Folhapress, ILUSTRADA)
Gay Talese após palestra para repórteres da Folha

Descontada a da cozinha —naquele estilo basculante com vidro fosco e enrugado, por onde não se vê nada mesmo—, apenas uma janela do meu apartamento não se abre para o prédio ao lado. De tempos em tempos é inevitável cruzar com a imagem de um dos meus vizinhos em atividades bem pouco atraentes, limpando a casa ou vendo TV.

A outra opção seria quase um morar sem janelas, voltado para dentro, meus afazeres, minha rotina e as janelas que a gente "vai criando". Uma delas, por onde mais tenho olhado, passou meses fechada ao lado da minha cama esperando ser aberta.

É uma edição da Grove Press de "O Voyeur" ("The Voyeur's Motel", no original), relato de Gay Talese sobre os manuscritos e estripulias de Gerald Foos, proprietário durante décadas do Manor House Motel, no Colorado, EUA.

Ali, Foss, na década de 1960, então um insuspeito homem de meia idade, dedicou-se a cuidar de seu empreendimento enquanto acreditava construir algo muito maior: um detalhado relato da vida sexual dos americanos, baseado em um sem número de horas que passou espiando todo tipo de casal, hóspedes de um de seus quartos.

Para narrar a história, Talese, mestre do jornalismo literário ("Fama e Anonimato" e "A Mulher do Próximo", entre outros), literalmente subiu no telhado (na verdade, no forro) com Foss para, por um vão no teto dos quartos, espiar amantes anônimos. Sempre impecavelmente vestido, poderia ter se dado mal quando sua gravata passou pelo duto de ventilação e ficou exposta sobre a cama do casal.

"O Voyeur" (Companhia das Letras, R$ 42,90) tem linguagem mais crua e direta do que os livros anteriores de Talese.

Seu lançamento, em 2016, foi cercado de polêmica por conter informações imprecisas e se basear em apenas uma fonte: Foss. O mal-estar causado pela revelação dos buracos de apuração do escritor americano levaram o autor a renegar a obra em um dia e voltar atrás no dia seguinte.

Mais do que a polêmica, o estardalhaço que se criou em torno do livro encheu-me um pouco: acho que talvez por isso, "O Voyeur" tenha passado tanto tempo fechado ao lado da minha cama.

Na verdade, só pode ter sido esse o motivo, pois a vida dos meus vizinhos não estava nem um pouco interessante.

Publicidade
Publicidade