Programa da chef do Dona Onça leva ingredientes frescos à merenda de escolas estaduais

- Estrogonofe?
- Não!
- Macarrão?
- Também não.
- Feijoada?
- Errou de novo, ri Kemilly Souza Silva, 9.

É peixada o seu prato predileto no cardápio da chef paulistana Janaína Rueda, do Bar da Dona Onça, no centro de São Paulo.

A cada 15 dias, Kemilly come um prato de filé de peixe branco num molho denso com tomate, cebola, batatas, cenouras, salsão e cheiro verde. Às vezes, repete.

Mas não é no restaurante de Janaína, e, sim, na merenda da escola estadual em que estuda, a E.E. Maria José, na Bela Vista, na região central paulistana.

Foi lá que teve início há um ano o programa Cozinheiras da Educação, que começou a trocar produtos industrializados por ingredientes frescos nos pratos das crianças.

Sonho de Janaína, o projeto foi encampado pelo governo paulista, chegou a 220 escolas e, até o fim deste ano, será quadruplicado. Os planos são que nos próximos anos ele alcance as 2.500 unidades cujas refeições são coordenadas pela administração do Estado.

Para as próximas 600, merendeiras das zonas leste e norte da capital estão aprendendo com a chef a fazer os novos pratos. "Não estou aqui só para falar de receita. Meu sonho é melhorar a qualidade da comida popular no Brasil e quero que vocês me ajudem nisso", diz Janaína às funcionárias numa cozinha da Escola Técnica Santa Ifigênia, onde dá as aulas.

Nas bancadas estão cubos de contrafilé, patinho, pernil de porco e tigelas com moela de galinha, além de folhas e legumes frescos.

As cozinheiras se animam. "Até que enfim um treinamento interessante", comenta Roberta, 47, enquanto fotografa os pratos com seu celular. "Os outros só ensinavam a lavar a mão e a descongelar salsicha."

Pior que salsichas e nuggets, só os famigerados "pouch" (pronuncia-se pauche), carne pré-cozida e pasteurizada, que, segundo Janaína, tem cara e gosto de ração de gato.

A chef encontrou uma aliada no Departamento de Alimentação da Secretaria da Educação de São Paulo, a nutricionista Giorgia Castilho Russo Tavares, então diretora da seção.

"Queríamos melhorar a qualidade da merenda, mas também resgatar o ato de cozinhar, que tem um efeito muito positivo nos hábitos de alimentação das crianças."

O Estado tem 8.000 merendeiras e 2,5 milhões de alunos que, segundo Giorgia, podem disseminar a boa nutrição para suas famílias. Vários alunos da rede pública já têm a tarefa de cozinhar em casa, conta ela.

"Depois do novo cardápio, eles vieram pedir as receitas para as merendeiras. São pratos baratos, práticos, que vão para dentro da casa dos alunos. E as cozinheiras passaram a se sentir também educadoras."

"MOLHOS ESPECIAIS"

Mas nem tudo foi fácil, relata a merendeira Angélica Santana, 54, enquanto prepara ovos mexidos, que vai servir com arroz integral, feijão, salada de beterraba e alface.

As crianças estranhavam pratos como sardinha, cuscuz ou molho de moela -que até hoje é apresentado com o nome fantasia de "molho especial", para evitar resistências.

O arroz integral também demorou a emplacar. "No começo, mal saíam 5 kg por dia. Mas hoje já saem 20 kg", diz ela, que há cinco anos comanda as panelas da escola Maria José.

Filha de cozinheira e mãe de cinco filhos, dos quais quatro estudaram ali, ela apoia o programa de Janaína, que também estudou na escola estadual. Foi da chef que ela ganhou a touca de cabelos com estampas de onça, que mostra rindo enquanto serve Tainá, 7.

"Acho gostoso e é mais saudável", diz a garota, que come todos os dias a merenda da escola. Ao seu lado, Natália, 6, conta que também gosta "de tudo, menos de alface". Mas Giovana, 7, trocou o almoço por um pacote de Doritos Sweet Chili e um refrigerante com sabor uva, que trouxe de casa.

A melhora nas refeições não reduziu a procura por salgadinhos e doces na cantina que fica a seis metros da cozinha, diz José Roberto Jó, 59, que há dez anos aluga o espaço.

Nos cálculos da escola, de cada dez alunos três trocam a merenda gratuita pelos produtos da cantina: salgados de hambúrguer ou croissant de pizza (R$ 4), chup-chup de chocolate ou doce de leite (R$ 0,50), doce de amendoim (R$ 0,70) ou bombons (R$ 1).

Um pacote de salgadinho frito da marca Cristal, que a cantina vende por R$ 1,20, é mais caro que o custo por refeição do novo cardápio da merenda: de R$ 0,53 a R$ 1,17 por estudante.

Além de mais frescos e mais saborosos, os ingredientes do novo cardápio custam menos para o governo, segundo o Departamento de Alimentação. A carne in natura é, em média, 40% mais barata que o "pouch". Por outro lado, a logística é mais complexa: exige carros refrigerados e bom controle de estoque para evitar perdas.

Compensa, diz Larissa Silva dos Santos, 9: "Adoro a feijoada. O gosto da merenda ficou muito melhor". "Ficou saudável", adenda Sofia Aparecida, 7, que prefere a macarronada, mas pula para a cantina se for dia de arroz integral: "Minha mãe não faz em casa, não estou acostumada, o gosto é ruim".

Mateus Gabriel, 9, também adora o macarrão. "É o dia em que como dois ou até três pratos", conta ele. Já Samira, 7, vai direto para a janela da cantina, onde compra croissant, salgadinho, pipoca ou uma barra do chocolate Twix. "Já experimentei a merenda. Mas achei apimentada."

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A PEIXADA DE JANAINA
Prato da merenda paulista (para 4 pessoas)

Ingredientes

  • 4 pedaços de peixe de 150 gramas (cação ou o peixe branco que estiver na estação)
  • 2 cebolas fatiadas
  • 4 dentes de alho amassados
  • 6 tomates maduros
  • 2 batatas em cubos
  • 1 cenoura em cubos
  • 1 talo de salsão picado
  • cheiro verde picado (mais ou menos 30 Gramas de cada)
  • sal e pimenta do reino a gosto

Modo de fazer

Tempere o peixe com sal e pimenta do reino. Em uma panela refogue bem a cebola até murchar, acrescente o alho e refogue por mais 2 minutos. Acrescente salsão, tomates, acerte o sal e refogue mais 3 minutos. Coloque 500 ml de água. Assim que a água levantar fervura, acrescente as batatas e a cenoura já em cubos, acerte de novo o sal se for necessário e cozinhe por 6 minutos. Finalize colocando o peixe já temperado, por mais 3 ou no máximo 4 minutos. Sirva com arroz branco, salada de banana ou de repolho e farinha de mandioca.

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O QUE CHEGA A UMA ESCOLA
(Alimentos frescos, quantidades aproximadas em um mês)

  • 6 kg de cenoura
  • 30 maços de couve
  • 28 unidades de repolho
  • 5 baldes de alho
  • 8 unidades de melancia
  • 1 maço de louro
  • 20 kg de batata
  • 25 kg de cebola
  • 4 kg de farinha de trigo
  • 10 litros de leite
  • 6 kg de beterraba
  • 20 pés de alface
  • 300 ovos
  • 2 caixas de maçã
  • 4 caixas de banana
  • 260 kg de carnes variadas: coxão mole, patinho, pernil suíno, filé de peixe polaca do Alasca e moela de frango
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