Vinhos de Portugal/Divulgação | ||
Ilha da Madeira, uma das regiões vinícolas de Portugal |
Exagero um pouco, mas se descer no aeroporto de Lisboa já com uma taça na mão ela estará sempre cheia na viagem (serei pego na alfândega por comportamento exótico, mas é uma imagem). Em Portugal nunca se está distante de um vinho, o país inteiro é vinícola, as regiões vão dos vinhos verdes e alvarinhos da fronteira norte com a Espanha ao Alentejo, com alguns bolsões até no Algarve. São 77 uvas autóctones (nativas), listadas no mais importante livro sobre o assunto, a enciclopédia "Wine Grapes" de Jancis Robinson, Julia Harding e José Voiullamoz. A obra é de 2012, de lá para cá novas variedades foram identificadas. E isso falando só de castas ditas autóctones, ainda há as chamadas internacionais, syrah, cabernet sauvignon, chardonnay e tantas outras, todas bem representadas na produção de vinhos portuguesa, somando 250 diferentes uvas cultivadas num espaço tão pequeno.
Difícil decidir por onde começar a viagem, seja a escrita, seja a física. Em geral as pessoas desembarcam na capital, que já é uma denominação de origem, a marca Vinhos de Lisboa existe. Portugal é todo dividido em regiões de origem protegidas (quando se cria uma regulamentação com base geográfica, para garantir a autenticidade do que se consome, estampada nos rótulos). Uma das primeiras áreas demarcadas no mundo foi a do Douro, em 1756, colocada em prática pelo Marquês de Pombal.
Dá, facilmente, para beber cada dia um vinho diferente durante anos, sem repetir.
Neste piscinão sem bordas, como achar o rumo? Escolhi falar de algumas regiões através de suas uvas e produtores.
A primeira vez que fui até lá, era mochileiro, entrei de trem pelo Norte, uma viagem longa noite adentro, entre Salamanca e Porto. Naquela época o Alentejo ainda era produtor de volume mas com raros vinhos de qualidade. Hoje posso começar a viagem por lá, o novo vinho alentejano não é mais o garrafão português.
ALENTEJO
A região é muito quente, o que fazia os vinhos serem pesados e alcóolicos. Não mais. O calor continua intenso, mas os vinicultores dominaram as técnicas para conseguir uvas boas.
Os brancos não são ligeiros, mas podem ser amigáveis com peixes gordurosos e com o polêmico bacalhau. Gosto muito da vinícola Cortes de Cima, nunca provei um vinho deles que não me fizesse querer mais. E os tintos refinados do Esporão acompanham um prato regional, que tentei fazer em casa, pois não acho em restaurantes paulistanos: a sopa alentejana.
Anote esses nomes: Cortes de Cima, João Portugal Ramos, Fundação Eugenio de Almeida
*
CENTRO
Tem tanto vinho ali que é maldade englobar tudo num centrão. A Bairrada, região da uva baga, tem a família Pato no destaque. Luis Pato faz bons espumantes, tintos de todo jeito, para beber agora ou daqui duas décadas. Já virou clichê, mas o leitão assado, tão macio que se desmancha nas suas carnes e gorduras, fica perfeito com os tintos regionais. A filha de Luis, Filipa, consegue o encontro de vinhos accessíveis com uma qualidade superior e trabalha com diferentes solos e climas para obter brancos com toque mineral e tintos que são fáceis de beber mas complexos.
Anote esses nomes: Luis Pato, Filipa Pato, Quinta das Bageiras, Campolargo
*
DÃO
Nunca admitirei, mas se tivesse que escolher uma região para investigar mais seria o Dão. É um Portugal profundo que não se aprecia como deveria ser, onde os vinhos tintos, frutos do clima mais frio, são delicados, sutis e conseguem ganhar com longo tempo de garrafa. Alguns dos grandes tintos lusitanos saem dali, em particular onde entra o talento de Alvaro Castro.
Entre Dão e Bairrada fica o hotel do Bussaço. Peculiar pela arquitetura, por estar no meio da floresta e por produzir vinhos para os hóspedes. Eram tão cultuados que só eram vendidos no local, nas refeições. Com o tempo, com esforço dos devotos, algumas garrafas chegaram ao mercado. Misturam uvas das duas regiões e são praticamente imortais, quanto mais antiga as safras mais deliciosos. A surpresa: os brancos também são longevos.
Anote esses nomes: Quinta da Pellada, Quinta das Maias, Quinta dos Carvalhais, Quinta de Saes
*
DOURO
A produção de vinho do Porto sempre fez sombra aos vinhos de mesa na região. Foi recente, 30 anos mais ou menos, que gente como o grupo Douro Boys investiu nos vinhos não fortificados. O sucesso foi espantoso, teve até gente com medo de que os portos ficassem de lado. Não há risco, tem uva para ambos. Quase toda a margem do rio, do Porto até a fronteira com a Espanha, é de videiras -a paisagem de vinhos mais impressionante do mundo, escarpas íngremes escavadas e construídas com pedras, terraços vertiginosos.
Anote esses nomes: Niepoort, Symington, Wine and Soul, Cristiano van Zeller
*
OS DOCES
Não são de uma região, mas são, talvez, o auge de Portugal. Os Portos, dos mais simples até os grandes, guardados por séculos (sem exagero, meu mais antigo foi um cálice do Fonseca 1830: a cor era marrom, o gosto de tâmaras, passas, amêndoas e o aroma ficou no copinho, que guardei por meses), os vinhos da Ilha da Madeira e os moscatéis dourados da península de Setúbal. Aqui não há limite de idade, e não tem nada melhor para acompanhar a ampla doçaria de ovos com seus nomes encantadores. Mas prove também com um queijo azul, com carne assada ou apenas com amêndoas salgadas.
Anote esses nomes: Quinta da Romaneira, Graham's, Quinta do Noval (Portos); Horácio Simões, Quinta da Bacalhoa (Moscateis de Sétubal); HM Borges, Blandy's (Madeiras)