Rotina de trabalho nada sexy emprega profissionais nos motéis de São Paulo

Gabriel Cabral/Folhapress

Já fui à Disney World em um esquema VIP-premium-gourmet que incluía a entrada nos parques sem fila, pela porta de serviço (não cabe aqui explicar por quê).

Sempre que conto essa história, falo que flagrei a Minnie traindo o Mickey com o Pateta, ou outra bobagem do tipo. Mentira, é claro. É um jeito de dizer que os bastidores escondem coisas que não devem ser vistas pelo público pagante. Não porque guardem grandes segredos -simplesmente porque são anticlimáticas. Na Disney, portões de ferro, fumódromos, dançarinos do show do Rei Leão checando as redes sociais.

Os motéis brasileiros também são parques de diversão. Piscinas com cascatas mornas, banheiras borbulhantes, comida que aparece magicamente em uma escotilha. Como em qualquer mundo de fantasia, o encanto resulta do trabalho f*dido de um universo paralelo cinzento.

No Lush, um dos mais luxuosos de São Paulo, o corredor que leva ao escritório tem paredes e luz brancas. Estreito e de teto baixo, é claustrofóbico e quente -no lado esquerdo de quem entra, ficam os equipamentos que aquecem as piscinas dos pagantes transantes.

Na recepção, que também faz as vezes de central telefônica, um quadro riscado com pincel atômico lista os produtos em falta no momento: carne-seca, bolinho de bacalhau, spray comestível e cinto peniano, entre outros.

O escritório central do motel é igual a qualquer outro escritório. Telefones tocando, porta-lápis com desenhos fofos, gente mandando ver nas planilhas de Excel.

"Temos 70 funcionários que se revezam para trabalhar 24 horas por dia", afirma a gerente Aline Cristina Passos, que concilia a administração do Lush com um curso noturno em uma faculdade em Santa Cecília.

Gabriel Cabral/Folhapress

Essa equipe faz as refeições em um refeitório com esquema de bandejão, em que as comidas ficam à disposição num balcão aquecido. Lá perto, na cozinha, uma planilha desenhada à mão exibe o cardápio do mês para os funcionários.

Entre as opções, fígado acebolado, carne moída e um certo "cozidão". "A gente não serve feijoada para os hóspedes, mas aqui sempre tem", diz a chef Flávia Carvalho. Ela examina o quadro e se dá conta de uma falha séria: "Não pus dobradinha neste mês".

Ao lado, na copa, está o bar menos charmoso da cidade. Num armário colado à parede, garrafas de destilados e um livreto plastificado com as instruções de preparo de coquetéis como moscow mule e negroni. Aqui, ninguém se interessa pelo show do bartender: quem sacode e mistura são os clientes nos quartos.

Os pedidos seguem por um corredor cheio de portas de serviço com luzes coloridas: verde é livre; vermelho é ocupado. Cada suíte tem também uma portinhola. O encarregado da entrega confere a comanda, abre a tramela, introduz as bandejas, fecha, toca uma campainha e sai andando. Do outro lado, o hóspede abre outra portinha para pegar os quitutes.

É assim que a comida surge magicamente nos quartos de motel. Desculpe-me se destruí o encanto.

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