'A gente vive num país onde a paternidade é facultativa', diz empresário Facundo Guerra

Empresário, 44 anos, morador do Pacaembu, pai de Pina, 6

A gente vive num país onde a paternidade é facultativa, e é muito triste se dar conta disso. São dezenas de milhares de pessoas que não têm o nome do pai no RG, então eu acho que, no Dia dos Pais, a gente deveria fazer um pouco de luto. Porque, para muitas crianças, é o segundo Dia das Mães no ano.

O papel de pai é o mais importante que desenvolvo. A Pina representou uma chance de não deixar que os meus preconceitos se perpetuem, de me esforçar para que ela seja uma pessoa muito melhor do que eu consegui ser até hoje. Porque, intrínseca e socialmente, sou machista, homofóbico e racista em algum nível. E tenho que combater isso todos os dias.

Com ela, percebi que ninguém 'acontece' de ser racista. Por trás de todo racista, homofóbico, machista, fascista, há um pai preguiçoso. Que tipo de exemplo familiar essas pessoas tiveram para reproduzir esses preconceitos? É uma responsabilidade gigantesca, porque os pais querem se ver refletidos nos filhos. E eu não tenho isso. Se eu puder dar um exemplo, que bom. Mas que ela não carregue nada de mim, porque também tenho muitos atributos negativos.

Tenho essa relação tão íntima e verdadeira com ela, que é completamente desprovida de interesse, que é inquebrantável, fluida. E não é uma relação hierarquizada a ponto de eu ser uma autoridade por impor, mas porque prometi quando ela nasceu –e falo até hoje– que, enquanto ela não conseguir se proteger do mundo e de si mesma, vou fazer isso. Mas que preciso que ela comece a se proteger sozinha, que ela se transforme num ser humano independente.

E recebo puxão de orelha dela o tempo todo. Ela diz umas coisas que eu falo 'Filha, você tem toda a razão'. Por isso digo que é uma nova chance. Não parto do pressuposto de que ela não tenha nada para me ensinar, porque ela me ensina para caramba todos os dias. É muito rica essa troca.

O mundo era diferente quando cresci, e a gente está vivendo numa situação mais limítrofe hoje, então não dá para aproveitar muito da criação que tive. Tem que começar do zero mesmo e repensar gênero, desigualdade social. Imbuí nela essa consciência de que ela tem muito mais do que os outros, de que ela tem que agradecer e entender que o privilégio que ela teve a sorte de ter precisa ser redistribuído.

Falo que os humanos são diferentes. Que a diferença é bonita. Que você pode ter nascido de um jeito, mas ter se transformado, ter outro gênero, outro amor. Que embaixo da pele todo mundo é igual, que ninguém pode ser julgado pela aparência e que todo mundo pode ser do jeito como quer ser.

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