A via mais extensa de São Paulo, com 26 quilômetros, era oficialmente chamada de estrada até a década de 1950. Hoje, é tratada como avenida. A avenida Sapopemba.
A mudança de status teve como principal patrocinador o ex-presidente Jânio Quadros (1917-1992), que na época iniciava carreira política.Em 1950, Jânio, então vereador da capital, apresentou um projeto de lei para alterar o "título" da Sapopemba.
Na justificação, escreveu: "É absurda a denominação de 'estrada' à verdadeira avenida de ligação, toda edificada e da máxima importância social e comercial". "Urge modificar o nome, que representa um logro, uma diminuição, uma falsidade. Daí o projeto, que é o melhor desejo do povo local", acrescentou.
O texto foi rejeitado, mas, dois anos depois, o vereador Farabulini Júnior, amigo pessoal de Jânio, propôs novamente a alteração.
Deu certo. Em 3 de junho de 1954, Jânio Quadros, que já havia assumido o cargo de prefeito, promulgou o dispositivo. A estrada virou avenida.
TERRA BATIDA
Segundo registros da Prefeitura de São Paulo, a estrada já existia no século 19, servindo de ligação entre as fazendas que ocupavam a região. A via também era usada para conectar a "remota" zona leste ao incipiente centro.
Com a expansão da cidade, novos loteamentos começaram a pipocar na área atravessada pela Sapopemba, no começo do século 20. Em uma espécie de gesto de respeito aos "mais velhos", esses terrenos seguiram o traçado da estrada. Os lotes deram origem a bairros -o que leva o nome da avenida, por exemplo, surgiu entre 1910 e 1930.
A avenida, até 40 anos atrás, ainda guardava resquícios da sua origem de terra batida, conta o empresário Maurício Racciatto, 49.
Em 1958, quatro anos depois da sanção da lei, o pai de Racciatto fundou na avenida uma empresa que comercializa produtos siderúrgicos. A companhia funciona até hoje no mesmo ponto.
"Frequento a empresa desde criança. Lembro que a avenida era completamente diferente do que é hoje. Alguns trechos não eram nem asfaltados", diz Racciatto.
Quando Paulo Sigueta, 69, abriu uma farmácia na Sapopemba, em 1970, ainda faltavam alguns pedaços na via.
"Nessa época a avenida não tinha calçadas, mas não demorou muito para serem instaladas. Tinha até um campo de futebol nas redondezas", afirma.
As décadas passaram, e a via foi tomada por lojas, bancos e obras do monotrilho. Mas, para além dos limites de São Paulo, o passado segue intacto. Ao menos no nome. Quando entra na cidade de Mauá, a avenida volta a ser estrada, serpenteando por mais 19 quilômetros, até terminar em uma praça, no município de Ribeirão Pires.
VIA DA FÉ
Hoje, a avenida abriga igrejas e templos de diversas religiões e denominações, de espíritas a umbandistas. São pelo menos 27 ao longo da via, mais de um templo por quilômetro.
Uma das veteranas é a igreja matriz da paróquia São Pio 10° e Santa Luzia, cujo edifício atual foi inaugurado no começo da década de 1970.
Para o padre José Mário Ribeiro, 55, titular da paróquia desde 2016, a avenida virou uma "via da fé" por causa de um fator mundano: o fácil acesso, principalmente pelo grande número de linhas de ônibus que circulam por ela.
Ribeiro resume essa vocação da avenida em "uma palavra bonita": ecumenismo.