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centro e zona norte

Futuro do Minhocão está em consulta pública até o dia 14 de junho

Afirmação da engenharia nacional, ferida aberta, obra mais feia de São Paulo, faixa de Gaza e promessa de uma nova experiência urbana. São algumas das alcunhas dele, o Minhocão, ao longo da história.

Em 1971, o então prefeito de São Paulo, Paulo Maluf, inaugurou, no aniversário da cidade, uma via suspensa a 5,5 metros do chão e com 3,5 km de extensão entre a região da praça Roosevelt, no centro de São Paulo, ao largo Padre Péricles, em Perdizes, na zona oeste da cidade.

Construído em cerca de um ano, o elevado foi batizado com o nome de um dos presidentes da ditadura militar, Costa e Silva (1899-1969), e levou muito mais que um fluxo de carros em alta velocidade de um canto para outro, tornando "mais fácil o acesso ao trabalho e a volta ao lar" do paulistano, como disse Maluf no discurso de inauguração.

A estrutura invadiu a visão dos moradores dos apartamentos de suas laterais, enchendo a área de barulho, tremores que abalaram estruturas e janelas, poeira, poluição. Destruiu parte da paisagem urbana e dividiu bairros ao meio, criando uma fenda de desenvolvimento.

Gerou, desde a fase de projeto, o sentimento de que deveria cair por terra em alguns, e, em outros, a sensação de que sua destruição poderia piorar ainda mais o trânsito.

O barulho e os danos aos moradores impulsionaram a restrição de horários de circulação noturna já nos anos 1970. Em 1989, durante o governo de Luiza Erundina, passou a ser aberto aos domingos para lazer.

Em 2006, ganhou força a ideia de destruir o elevado e foi aberto um concurso para projetos da nova destinação do espaço. Oito anos depois, em 2014, o Plano Diretor de São Paulo previu a sua conversão em parque ou demolição da estrutura ou de parte dela.

Em 2016, o elevado foi rebatizado para homenagear o presidente João Goulart (1918-1976). No ano seguinte, o arquiteto Jaime Lerner entregou à prefeitura uma proposta de tornar a via um parque.

Passados quase 50 anos de sua inauguração, o elevado pode enfim abandonar seus serviços aos automóveis. Foi aprovada em fevereiro de 2018 a lei que oficializa a criação do parque Minhocão e promove sua desativação gradual.

Neste ano, o prefeito Bruno Covas (PSDB) anunciou a implantação de um primeiro trecho de parque linear de menos de 1 km, entre a praça Roosevelt e o largo do Arouche, com inauguração prevista para novembro de 2020 e ao custo de R$ 38 milhões. Os carros andariam por baixo na rua Amaral Gurgel e, na São João, voltariam ao elevado.

Seguindo os trâmites legais, foram abertas consultas públicas até 14 de junho. Mas não se trata de debater apenas o projeto do parque. Há ainda muita divergência sobre a melhor solução para a estrutura.

Para o arquiteto e professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP Lucio Gomes Machado, que falou sobre o tema em reunião realizada na Assembleia Legislativa na última segunda, 27, a decisão do prefeito Covas de iniciar o parque foi unilateral, "sem ouvir técnicos, com base numa lei aprovada do nada".

"O parque vai consolidar uma coisa que nunca devia ter sido feita. Essa cicatriz urbana degradou a cidade e é uma barreira que separa uma parte mais desenvolvida, de melhor aspecto, de uma outra, a formada pelos Campos Elíseos e pela Santa Ifigênia."

Machado, que tem escritório há duas quadras do elevado, defende a desmontagem da estrutura. "Seria criada uma área de 500 metros a 1 quilômetro de desenvolvimento", argumenta.

Ele também aponta outro problema, a falta de manutenção. "Não foi feito estudo de estabilidade da estrutura. Ele já tem 50 anos e, como toda obra de concreto, já devia estar recebendo reparos."

O artista Felipe Morozini, 44, mora há 20 anos de frente para o minhocão, no apartamento que era de sua bisavó.

Ele já fez diversas performances e intervenções artísticas no elevado, incluindo "Jardins Suspensos", de 2010, quando pintou flores gigantes em 1 km de extensão do asfalto da via.

Defensor do projeto de um parque na estrutura, ele já foi curador da Virada Cultural para a área. O artista conta que quando se mudou foi inevitável participar do movimento pela criação do parque "por entender o poder de transformação do lugar".

"Em 2011, o Minhocão ganhou o infeliz prêmio de obra mais feia de São Paulo. O ano passado ele ganhou o lugar mais legal para você ensinar seus filhos e amigos a andar de bicicleta, skate e patins. É uma mudança de paradigma de uma cidade dependente de carro para uma cidade para pessoas."

Segundo ele, a conversão de um trecho da via em parque não tem poder de afetar o trânsito paulistano. "São 100 mil carros novos todo mês na cidade. Jura que são 800 metros que vão fazer diferença?"

O artista defende a proposta de subir a altura das laterais em 3 cm, seguindo determinação do Ministério Público, e a construção de oito entradas com elevador, rampa e escada. "Feito isso, eu faria um canteiro, pintaria uma ciclofaixa e deixaria as pessoas fazerem o que elas estão fazendo nos últimos anos", diz.

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