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Na Babel olímpica, artistas de rua disputam olhar dos estrangeiros

Um saci-pererê ronda o Museu do Amanhã. E ele não está ali para brincadeira. Seu desafio: encarar seis horas diárias de trabalho, sustentado numa perna só. Ao seu lado, um banquinho serve para o revezamento, enquanto espera por trocados dos turistas, na região portuária do Rio.

Consciente da vitalidade do personagem no imaginário popular e confiante em seu poder de sedução, o artista de rua Erinaldo Cardoso Lima, 44, afirma que o saci "é um símbolo do Brasil, país que, não se engane, é exótico para os gringos".

A entidade do folclore brasileiro, que virou personagem de um dos primeiros livros infantis de Monteiro Lobato, inspiraria Erinaldo num momento de revelação. Quando, hospedado num hotelzinho fuleiro na praça Tiradentes (centro), ele matutava em busca de uma ideia criativa para fazer dinheiro em tempo de vacas magras e avistou no reflexo do espelho do banheiro a imagem do saci na TV.

De certa forma, o artista viu a si mesmo. Há cerca de 20 anos, ele teve a perna direita amputada em consequência de um grave acidente de carro sofrido na rodovia Transamazônica, em Altamira (PA), onde vivia com a família.

O pai, maranhense, transportava colonos para fazerem compras na cidade. A camionete em que estavam chocou-se com um caminhão na estrada enlameada, no meio da selva. Três pessoas morreram, entre as quais seu padrinho.

"'Por que comigo?', me perguntei." Com o tempo, veio o que chama de aceitação. "No país do samba, tenho um pé só, mas é pé-quente", diz, bem-humorado. Três anos atrás, trocou São Paulo, onde morou por 15 anos, pela cidade maravilhosa. Agora vê a oportunidade de lucrar com a Rio-2016: aceita dólares, euros e, fazer o que, reais. Espera divulgar o que considera ser "nossa brasilidade original e histórica".

Da ideia à prática, não hesitou: pintou o corpo de preto, meteu na cabeça um gorro vermelho e, na falta do cachimbo, improvisou um cigarrinho no canto da boca.

De início, montou banca em pontos estratégicos, onde posava para fotos. Por causa dos Jogos, decidiu ficar perto do museu. "Não é possível que um personagem tão representativo da cultura brasileira passe despercebido neste momento, em que estamos dando a cara para o mundo."

Erinaldo não estipula um valor para os donativos. Cada um deixa o que pode. A esperança, no entanto, é cara: "Quem sabe uma empresa me chame para ser mascote e eu apareça na TV americana. Um saci-pererê olímpico!".

Editoria de Arte/Folhapress

RETRATO SOLITÁRIO

Cara pintada de branco, sobrancelhas e bigodinho falso, roupa preta folgada e chapéu-coco, Roberson Martins de Carvalho, 38, pode levar vantagem nessa disputa por gorjetas –afinal, seu Carlitos, o personagem imortalizado por Charlie Chaplin, "goza de fama mundial".

Pai de duas filhas, que vivem no interior do Estado, Roberson pretende sair da Lapa, bairro onde mora, para ficar mais próximo delas. Espera que seu trabalho de estátua viva no Pão de Açúcar renda dinheiro suficiente para isso.

"Carlitos me favorece. Até as crianças das Arábias sabem quem ele é", afirma esse mineiro que estudou teatro no ABC paulista. Desde 2007, adotou o Rio. "Trabalhava numa fábrica. Fiquei surpreso ao ver um artista de rua interpretar a Xuxa, em Ipanema, e ganhar por isso", lembra. A cidade desencadeou sua "verve artística".

De Deodoro a Copacabana, do Maracanã à Barra, o Rio, é fato, inspira superações e sonhos não só esportivos.

Destoando da paisagem frenética, eis que surge, nas ruas de Santa Tereza, um passageiro solitário como aqueles retratados nas telas do americano Edward Hopper: Maxymilhan Oliveira, 34, encarna o Prateado, espécie de figura futurista. "Por mais interação que ocorra com o público, estou sozinho. Sou eu e eu mesmo."

Acostumado a trabalhar no Saara, pólo do comércio popular carioca, está de mudança para o Pão de Açúcar, de olho no fluxo estrangeiro.

"Entrego uma rosa. Pego na mão do turista para conduzi-lo até a foto. É uma linguagem que dispensa idiomas." Pelo sim, pelo não, rabiscou um pequeno cartaz na língua universal: "Pictures 5,00". Qualquer moeda vale.

Em inglês, português ou javanês, Maxymilhan nunca escapa é da curiosidade das pessoas sobre a maquiagem prateada. A preparação não tem segredo. Conta que constrói seu personagem em 30 minutos. Difícil mesmo é abandonar a fantasia colada ao corpo. "Levo mais de uma hora debaixo do chuveiro só esfregando." E, no dia seguinte, começa tudo outra vez.

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