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Doping afeta influência da Rússia na política mundial, avaliam especialistas

O relatório que aponta o esquema de doping envolvendo o governo da Rússia atinge a influência do país no cenário internacional. Para especialistas ouvidos pela Folha, o caso evidencia a relação entre Jogos Olímpicos e disputas geopolíticas.

De um lado, o documento da Agência Mundial Antidoping (Wada) que mostra participação do governo russo na fraude de exames antidoping foi usado por agências nos EUA e do Canadá para pedir a exclusão geral da Rússia da Rio-2016.

De outro, o ex-chefe de investigação da Wada, o norte-americano Jack Robertson, declarou em entrevista à BBC e e ao site ProPublica que o presidente da agência antidoping, Craig Reedie, agiu para evitar punições à delegação russa.

EUA e Canadá, assim como o Reino Unido, disputam não só medalhas com os russos, mas também influência política. "São os maiores antagonistas no cenário internacional", afirma Fabiano Mielniczuk, professor de Relações Internacionais na ESPM-Sul (Escola Superior de Propaganda e Marketing no RS).

Nos últimos Jogos, os países concorreram pelas primeiras posições no quadro de medalhas. Os EUA estiveram na primeira posição do ranking em Atenas-2004 (com 36 ouros) e em Londres-2012 (com 46 ouros) e no segundo lugar em Beijing-2008 (com 36 ouros).

A Rússia esteve na segunda colocação em 2004 (com 27 ouros), na terceira em 2008 (com 23 ouros) e na quarta posição em 2012 (com 24 ouros).

Já o Reino Unido obteve o décimo lugar no quadro em Atenas (com 9 ouros), a quarta colocação em Beijing (com 19 ouros) e a terceira posição no pódio de medalhas em Londres (com 29 ouros).

No ranking das Olimpíadas somente as medalhas de ouro são contabilizadas —as premiações de prata e bronze servem como critério de desempate.

Maxim Shemetov/Reuters
Russian President Vladimir Putin arrives for a personal send-off for members of the Russian Olympic team at the Kremlin in Moscow, Russia, July 27, 2016. REUTERS/Maxim Shemetov ORG XMIT: MOS11
Putin durante evento com atletas russos

A Rússia voltou a ser, desde o início do século 21, um dos principais países a contrapor a hegemonia dos EUA na política internacional. Para especialistas, a rivalidade entre as duas nações é tal que se fala em um novo clima de Guerra Fria.

Nesse contexto, há relação entre o uso do relatório da Wada para pressionar pelo banimento da Rússia da Rio-2016 e as rivalidades geopolíticas internacionais, segundo o cientista político Paulo Velasco.

"Está colocada em xeque a credibilidade do governo Putin. E tudo isso na esteira de ações mais dramáticas, como a intervenção na Ucrânia", afirma.

Canadá, EUA, Reino Unido e a União Europeia aplicaram sanções após os russos anexarem a Crimeia, que pertencia à Ucrânia, e mantêm divergências abertas com Moscou, como no combate ao Estado Islâmico e no trato da guerra na Síria.

Embora não haja influência direta de Washington, Ottawa ou Londres, a opinião pública nestes países faz pressão para a saída da Rússia dos Jogos. Os jornais "New York Times", nos EUA, e "The Guardian", no Reino Unido, já declararam em editoriais apoio à exclusão dos russos.

Em resposta ao pedido de banimento das agências de EUA e Canadá, o chanceler Sergei Lavrov disse que a Usada (Agência Antidoping dos EUA) conspirou contra a Rússia. E o primeiro-ministro Vladimir Putin declarou que seu país estava sendo vítima de "ingerência perigosa da política no esporte".

PODER BRANDO

De acordo com Velasco, a troca de farpas entre russos e norte-americanos lembra que "o esporte é uma forma de 'poder brando' (soft power) para tentar mostrar, no plano internacional, o êxito e a força de um projeto político".

"Poder brando" (soft power) é um conceito criado pelo cientista político norte-americano Joseph Nye. Segundo ele, é a habilidade de um país influenciar outros por meio da atratividade dos valores, das ideias e da cultura nacionais.

Para os especialistas, a Olimpíada é uma oportunidade de países intensificarem o "poder brando", o que não estava nas ideias originais do Barão de Coubertin (1863-1937), criador dos Jogos modernos.

Kirill Kudryavtsev/AFP
Members of Russia's Olympic team wait to receive blessings from Russian Orthodox Patriarch Kirill during a religious service at a cathedral in the Kremlin in Moscow on July 27, 2016. President Vladimir Putin said Wednesday the absence of top Russian competitors will "markedly lower" next month's Rio Games, as he met competitors set for Brazil and those barred over state-run doping. / AFP PHOTO / Kirill KUDRYAVTSEV
Putin recebe atletas russos que disputarão a Rio-2016

Paulo Roberto de Almeida, diplomata do Itamaraty, afirma que a competição assumiu este caráter. "Esperava-se o esporte como um fenômeno de congregação internacional e se tornou um fato de acirramento da competição".

Em Berlim-1936, por exemplo, o regime de Adolf Hitler tentou usar os Jogos para legitimar o nazismo com o sucesso dos atletas alemães.

Na Guerra Fria, os EUA boicotaram os jogos de Moscou-1980, enquanto a União Soviética não foi a Los Angeles-1984. "Além da corrida espacial, havia também uma corrida esportiva", declara Velasco.

POTÊNCIA POLÍTICA

Na atualidade, a disputa ocorre também na "corrida científica" de preparação dos atletas olímpicos, segundo Mielniczuk, da ESPM-Sul. "O vencedor nas medalhas é associado, corretamente, à potência econômica e política".

De acordo com ele, como o relatório da Wada indica que a Rússia usou doping nos Jogos de Inverno em Socchi-14, o entendimento da comunidade internacional é que o país teria utilizado o esquema das substâncias para sair melhor na disputa.

O caminho antidoping

"É como se a tentativa de associar a classe política da Rússia à criminalidade e ao autoritarismo se confirmasse", declara Mielniczuk.

Para evitar especulações do tipo, Almeida afirma que o governo Putin deveria ter mais iniciativa em esclarecer os casos de doping. Segundo ele, porém, isso não aconteceu porque poderia prejudicar a estabilidade do premiê dentro do país.

"Houve certa tolerância. O governo russo poderia intervir quando surgiram as denúncias", afirma.

No entanto, a decisão do Comitê Olímpico Internacional (COI) de não banir a Rússia e delegar às federações esportivas o poder de decidir sobre os casos de doping amenizou o embate, segundo Almeida.

Ele afirma que não há, por consequência do relatório, uma punição direta aos russos. "O COI foi bastante diplomático em tratar do caso de doping", diz.

Vitali Mutko, ministro dos Esportes russo, declarou estar agradecido pela decisão do COI, mas também afirmou que vê fundo político na tentativa de excluir seu país. "É uma decisão subjetiva, tanto política como sem base jurídica."

Thomas Bach, presidente do COI, tem tentado diminuir o impacto negativo do escândalo de doping sobre a imagem dos Jogos. Ao cobrar a Wada a ser mais rigorosa, disse que o caso não é de responsabilidade do Comitê.

Nesta quinta-feira (4), as federações internacionais de boxe, golfe, ginástica e handebol decidiram que manterão os atletas da Rússia na Olimpíada. Elas negaram que os esportistas tenham feito uso de doping.

Até este momento, 113 de 364 atletas da delegação russa foram excluídos por suspeita de utilizar as substâncias.

Doping na Russia

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