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Maracanã tem longa tradição de vaias a autoridades; Temer se diz preparado

Com a estridência característica, a vaia já apareceu durante o primeiro ensaio geral da abertura da Rio-2016.

O presidente interino, Michel Temer, disse estar "preparadíssimo" para enfrentá-la. O ex-presidente Lula sentiu seu gosto amargo na cerimônia dos Jogos Pan-Americanos de 2007. A presidente afastada, Dilma Rousseff, ouviu-a constrangida, quando entregava a taça de campeã do mundo à Alemanha em 2014. Nas redes sociais, muitas páginas convocam sua presença por meio de movimentos que até tentam ser poéticos, como Viva Vaia.

Coube ao escritor e dramaturgo Nelson Rodrigues (1912-1980) proclamar aquilo que chamava de uma de suas "verdades eternas": "Maracanã nasceu com a vocação da vaia. O Maracanã vaia até minuto de silêncio".

Rodrigues explicou em uma das crônicas de "A Pátria de Chuteiras": "Sem maldade, sem premeditação, a vaia rebenta sem querer, por um desses automatismos inapeláveis", justificou, 47 anos atrás.

A participação de Temer na cerimônia de abertura vai se restringir a uma frase e deve durar pouco mais de dez segundos: "Declaro abertos os Jogos do Rio, celebrando a 31ª Olimpíada da era moderna".

A aparição breve do chefe de Estado, sem discurso, é uma tradição das cerimônias de abertura olímpica. Em 2012, em Londres, a rainha Elizabeth 2ª proferiu a proclamação em Wembley. Depois de simular a chegada ao estádio em um paraquedas, a rainha foi ovacionada pelo público de 80 mil pessoas quando declarou a aberta a olimpíada londrina.

Em entrevista na semana passada, Temer afirmou: "Estou preparadíssimo para as vaias, não tenho a menor dúvida disso. E tenho de cumprir esse dever institucional. Aliás, eu soube que os ex-presidentes nem vão. A brincadeira é que eles estão reservando as vaias apenas para o presidente".

Os organizadores planejam maneiras de atenuar o efeito das eventuais vaias, aumentando o fundo musical durante os momentos críticos.

Em encontro com o presidente interino, o prefeito do Rio, Eduardo Paes, brincou com Temer: "Fique tranquilo que o senhor receberá a vaia da largada, e eu recebo a da saída ]festa de encerramento]". Em 21 de agosto, no centro do palco do Maracanã, Paes passará a bandeira olímpica para a governadora de Tóquio, Yuriko Koike, que comandará os preparativos para a Olimpíada de 2020.

Na última semana de julho, os organizadores da cerimônia de abertura reuniram dezenas de milhares de voluntários para o ensaio geral. Quando o locutor simulou que o presidente interino, Michel Temer, faria a abertura dos Jogos, os próprios participantes do ensaio soltaram vaia forte, sem que houvesse estímulo de ninguém, de acordo com o relato de um dos organizadores.

No ensaio de abertura do Pan-07, já ocorrera o mesmo. À época, o presidente Lula atribuiu ao então prefeito Cesar Maia, opositor de seu governo, o treinamento de uma claque para vaiá-lo. Maia foi o único aplaudido quando o nome foi citado na abertura. Lula nunca perdoou Maia pelas vaias. "Não orquestrei aquelas fatídicas vaias", negou o então prefeito.

Chamada para página 'Maracanã da abertura

MEMÓRIA

Na maior tragédia esportiva que o Maracanã testemunhou, a derrota do Brasil para o Uruguai na final da Copa de 1950, a surpresa foi a vaia ter sido substituída por um silêncio sepulcral.

"O Maracanã havia sido inaugurado sem que as obras estivessem completas. Em alguns setores, ainda havia cascalho pelo chão. Dava para ouvir os passos das pessoas estalando após a derrota", afirmou o poeta Armando Freitas Filho. Ele tinha dez anos em 16 de julho de 1950. Ao lado do pai, permaneceu estupefato por minutos.

A história do Maracanã é amarga com políticos desde sua abertura. Em 1953, o Rio enfrentava uma grande crise de falta de água. O prefeito da cidade era Dulcídio do Espírito Santo Cardoso, primo do pai de Fernando Henrique Cardoso. Quando foi anunciada a presença de Dulcídio, o estádio: "Água, água".

A famosa vaia a minuto de silêncio ocorreu em 19 de julho de 1967, na partida entre Botafogo e América, em pleno regime militar. O general Humberto Castello Branco, presidente da República entre 1964 e 1966, havia morrido no dia anterior, em um acidente aéreo. Quando o locutor pediu um minuto de silêncio em sua homenagem, vaias tomaram parte do Maracanã.

A maior vaia da história do estádio foi registrada oficialmente nos arquivos da então Confederação Brasileira de Desportos, a CBD. Em 13 de maio de 1959, a seleção brasileira enfrentaria a Inglaterra numa partida amistosa no "maior estádio do mundo".

Os ingleses nunca haviam perdido para o Brasil, mas a invencibilidade dos inventores do esporte não assustava o time que havia sido bicampeão mundial no ano anterior, liderado sobretudo pela
genialidade de Garrincha.

O locutor Victório Gutemberg anunciou a escalação da seleção brasileira por meio dos alto-falantes do estádio. Depois do camisa 6, Nilton Santos, fez uma pausa e deu ênfase: "Número 7 Julinho!". A vaia dos 120 mil torcedores presentes durou quase três minutos.

Os torcedores queriam ver Garrincha (1933-1983) em campo. O craque nunca enfrentara a Inglaterra. Mas o jogador do Botafogo passara a noite fora da concentração, irritando o técnico Vicente Feola, que o sacou do time.

Ex-jogador da Fiorentina e atuando no Palmeiras, Julinho Botelho (1929-2003) não se perturbou, como registram os jornais da época. No primeiro lance em que tocou na bola, a vaia voltou.

No segundo lance, aos sete minutos do primeiro tempo, Julinho pegou a bola na ponta direita, entrou na área, driblando dois ingleses, e arrematou de perna esquerda. Brasil 1 a 0.

Aos 30 minutos, ainda no primeiro tempo, Julinho driblou quatro marcadores e cruzou, rente à linha de fundo, para Henrique Frade, de carrinho, fazer Brasil 2 a 0.

Assim o Brasil quebraria a invencibilidade inglesa. Ao final do jogo, o Maracanã gritou o nome de Julinho com o mesmo entusiasmo que o vaiara 90 minutos antes.

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