Mercado de Voto
Sérgio Motta intermediou compra de voto pró-reeleição, diz deputado


14/05/97
Editoria: BRASIL
Página: 1-6


da Sucursal de Brasília

Novas gravações obtidas pela Folha envolvem o ministro Sérgio Motta (Comunicações) no esquema de compra de votos de deputados federais a favor da emenda da reeleição. Revelam ainda como o deputado João Maia (PFL-AC) vendeu seu voto. Nas gravações, Maia diz que recebeu R$ 200 mil para votar a favor da emenda que pode permitir a reeleição do presidente Fernando Henrique Cardoso.
O deputado revela ainda que a barganha pelo voto previa receber R$ 200 mil do governo federal e outros R$ 200 mil do governo do Estado do Acre.
O dinheiro usado na operação, segundo Maia, foi providenciado pelo governador do Amazonas, Amazonino Mendes (PFL), e pelo ministro Sérgio Motta (PSDB).
Ontem, a Folha revelou um esquema de compra de votos de deputados na época da votação da emenda constitucional da reeleição, em janeiro passado.
Participaram do negócio, pelo menos, cinco deputados federais do Acre e dois governadores -tudo isso segundo os deputados João Maia e Ronivon Santiago (PFL), este último o que protagonizou as revelações de ontem.
A história contada por João Maia confirma o conteúdo das fitas com conversas gravadas de Ronivon Santiago sobre a venda de votos a favor da reeleição.
Os diálogos foram gravados sem que os deputados soubessem. Algumas das conversas gravadas com João Maia são posteriores às de Ronivon Santiago.
Em outras gravações com Santiago também consta a acusação contra o ministro Sérgio Motta.

Cota federal
Maia, um ex-militante do Partido dos Trabalhadores (PT), que foi processado junto com Luiz Inácio Lula da Silva pelo regime militar nos anos 80, relata assim a origem do dinheiro que aceitou em troca de seu voto:
''Aquele dinheiro era o dinheiro do Amazonino. Que o Amazonino mandou trazer, por ordem do... do... menino aqui, do Serjão''.
E mais: ''Pelo que eu sei bem é o seguinte: eram os (R$) 200 (mil) do Serjão, via Amazonino, que era a cota federal, aí do acordo... Ele falou, pra todo mundo, aí, meio mundo, aí''.
João Maia conta em outro trecho: ''Esse dinheiro do Amazonino era o dinheiro que já estava aí. Você entendeu? Que o Serjão já tinha acertado. Mas, como ele soube, quer dizer, acabou pegando o dinheiro do Amazonino para pagar o cheque dele. Quer dizer, no fundo, a gente dançou em 200 paus aí nessa brincadeira''.
Esse cheque a que João Maia se refere é um pagamento que ele receberia pelo voto a favor da reeleição. O cheque -não fica claro o valor, se R$ 100 mil ou R$ 200 mil- foi entregue por Eládio Cameli, irmão do governador do Acre, Orleir Cameli.
O cheque nunca foi usado. Nos dias que antecederam a votação do primeiro turno da emenda da reeleição na Câmara dos Deputados, em 28 de janeiro, deputados acertaram a devolução dos cheques em troca de dinheiro vivo.
Esses fatos relatados por João Maia coincidem com a história revelada ontem.

Ciranda do aliciamento
De acordo com as gravações que a Folha publica hoje, a votação da emenda da reeleição foi precedida por uma grande operação de aliciamento de deputados por parte dos governistas no Congresso.
Segundo João Maia, a ponta do esquema era o deputado Pauderney Avelino, na época da votação um membro do PPB-AM -hoje está no PFL.
''Esse dinheiro é do Amazonino. Promessa do Pauderney aqui. No nosso corredor aqui, falou em 200 paus. Via Serjão'' revela o deputado João Maia na fita gravada a que a Folha teve acesso.
Depois desse contato inicial, havia uma segunda etapa. No caso de João Maia, segundo ele próprio, essa fase incluiu uma conversa com o então presidente da Câmara dos Deputados, Luís Eduardo Magalhães (PFL-BA).

Luís Eduardo
João Maia afirma ter conversado com Luís Eduardo com a finalidade de marcar uma audiência com o ministro Sérgio Motta.
Não há, na fita em poder da Folha, qualquer declaração dando conta de que Luís Eduardo sabia da compra e venda de votos.
Mas, segundo João Maia, foi Luís Eduardo quem marcou a audiência com Sérgio Motta. O deputado acreano não revela o que conversou com o ministro nem se houve ali algum acerto sobre pagamento em dinheiro pelo voto.
O fato é que a audiência com o ministro Sérgio Motta, segundo João Maia, desembocou num último encontro com o governador Amazonino Mendes.
Depois do encontro com Amazonino Mendes, João Maia dá a entender que ficou tudo acertado sobre o negócio. E que o dinheiro que recebeu -os R$ 200 mil- faria parte da ''cota federal''.

Atrasados de Orleir
Em alguns trechos das gravações que a Folha publica hoje, há menções de ''atrasados'' do governador acreano Orleir Cameli.
Nunca fica claro o que significam esses tais ''atrasados'' mencionados pelos deputados.
O deputado João Maia diz que o governador Orleir Cameli queria considerar o pagamento como sendo referente a esses atrasados. E que os deputados não aceitaram isso. Em um trecho da conversa, Maia afirma que Orleir se aproveitou de haver já disponível, em Brasília, um dinheiro da ''cota federal'' para a compra de deputados.

Lesado
''A gente queria barganhar que o Orleir deveria pagar os atrasados desse troço. E que esse dinheiro do Amazonino era o dinheiro que já estava aí. Você entendeu? Que o Serjão já tinha acertado'', relata João Maia.
Por causa dessa atitude de Orleir, o deputado João Maia se considerou lesado. Diz na conversa que esperava ter recebido dinheiro do governo do Acre e do governo federal. Como isso não aconteceu, afirma Maia, houve prejuízo:
''Mas, como ele (Orleir) soube, quer dizer, acabou pegando o dinheiro do Amazonino para pagar o cheque dele. Quer dizer, no fundo, a gente dançou em 200 paus aí nessa brincadeira''.

Barbárie de Ronivon

Como são conversas casuais, os deputados divagam sobre vários assuntos e isso não está sendo publicado. Um desses casos, entretanto, é ilustrativo do clima que reinou na Câmara nos dias que antecederam a votação da reeleição.
Primeiro, Ronivon Santiago declara que o dinheiro não era do governador Amazonino Mendes. ''Quem deu foi o Sérgio Motta ao Amazonino, parece'', afirma.
Em seguida, Ronivon começa a descrever o ambiente na Câmara pré-votação: ''Eu tô sabendo que aquele negócio ali foi muita gente.
Todo mundo pegou na faixa de 200, 300... Todo mundo pegou... Teve gente que negociou pagamento de banco, negociou todo deputado aí... Todo mundo''.
O deputado acreano concluiu com um frase emblemática, porque parece fazer uma crítica ao esquema do qual participou e foi beneficiário: ''É uma barbárie isso aí''.


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