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Suítes
luxuosas, ambientes iluminados e planejados por decoradores
e paisagistas, música ao vivo com pianista, serviço de concierge,
cardápio elaborado por chefs de cozinha. Essas e outras comodidades
já são encontradas, quem diria, dentro de alguns hospitais
brasileiros e vieram para substituir as tradicionais paredes
brancas, refeições insossas, enfermeiras carrancudas e quartos
escuros e sem vida. Apelidados por alguns de Daslu da medicina,
os hospitais cinco estrelas de São Paulo se desdobram para
agradar aos pacientes. A diária de algumas suítes chega a
custar o equivalente à do hotel Ritz, de Paris (cerca de R$
1.500). "Todos os hospitais que querem melhorar dizem que
desejam ser como hotéis. Daqui para a frente, são os hotéis
que têm que morrer de inveja dos hospitais", provoca o arquiteto
Lauro Michelin, sócio de uma empresa que trabalha com empreendimentos
de saúde há 18 anos. Segundo ele, é "uma loucura" o fato de
uma pessoa sadia ter todo o conforto em um hotel, enquanto
um paciente que chega debilitado ao hospital fica num ambiente
hostil, sem estímulo visual e sem ergonomia no mobiliário.
O arquiteto diz que os cuidados para projetar hospitais vão
além dos que são tomados nos hotéis. "Soma-se a complexidade
de uma hotelaria à complexidade da atenção médica. Até a luz,
se não for adequada, interfere na visualização da cor da pele
do paciente, que deve ser a mais fiel possível", exemplifica.
As cores de um ambiente de saúde, segundo Michelin, devem
ser amenas, com tons vivos em pequenos objetos, para que haja
estimulação visual. "Não é porque é um hospital que tem que
ser branco. Aliás, o branco, no Brasil, pode ser péssimo.
É uma cor que faz a reflexão completa da radiação e, quando
há muito sol, dá um excesso de claridade que pode causar até
dor de cabeça."
Para o médico Milton Glezer, coordenador da organização de
procura de órgãos do Hospital das Clínicas e vice-diretor
clínico do hospital Albert Einstein, os mimos vêm para ajudar
a justificar os gastos com equipamentos médicos de última
geração "Todo o investimento em modernas aparelhagens não
é visível para um leigo. O paciente não sabe se o tomógrafo
é de primeira ou de quinta geração. Então, os hospitais investem
em luxos, como TV de plasma, porque isso é mais palpável."
Alta Gastronomia
Vistos da rua João Julião, no bairro do Paraíso,
os 51 mil m2 de terreno do Hospital Alemão Oswaldo Cruz não
demonstram a suntuosidade intra-muros, obtida, principalmente,
pelo espaço verde -são 355 árvores, plantas, flores e um carpete
de grama minuciosamente cuidado, com casinha de beija-flor.
Escolhido como o hospital do ano pelo Top Hospitalar 2004,
o destaque do Oswaldo Cruz fica por conta da cozinha, que
está mais para a alta gastronomia do que para a tão estigmatizada
"comida de hospital". No dia em que a reportagem da Folha
visitou o local, o prato servido aos pacientes era codorna
assada, ovinhos da ave sobre cenouras fatiadas, dispostas
em formato de ninho, e arroz com legumes. Em vez da gelatina
de sempre, a sobremesa era um apetitoso merengue de morango.
Apelidados de suítes presidenciais, os quartos de luxo do
Oswaldo Cruz impressionam: além do cômodo principal, são três
TVs, duas ante-salas com sofá-cama, dois frigobares, dois
cofres, viva-voz e dois banheiros, revistas e assinatura de
jornal diário. As persianas podem ser manejadas via controle
remoto da cama do paciente. Valor da diária da suíte presidencial:
R$ 1.450 (o apartamento básico custa R$ 550). Muitos dos "hóspedes"
dessas suítes não abrem mão de que seus seguranças também
se "hospedem" nas ante-salas dos leitos ou em quartos separados,
diz Márcia Oliveira Menezes, gerente comercial do Oswaldo
Cruz.
Ferrari
O recém-inaugurado Higienópolis Medical Center veio se somar
às opções que já existem para atender aos paulistanos mais
endinheirados. O edifício espelhado, de 19 andares, lembra
um centro comercial de alto padrão e contrasta com o entorno
da rua, formado por casas antigas, um açougue, uma feira livre
que ocorre uma vez por semana e, é preciso mencioná-lo, um
cemitério (da Consolação).
O complexo é formado por um hospital-dia (indicado para procedimentos
com prazo de recuperação não superior a 12 horas), um centro
de diagnósticos e 18 andares de consultórios médicos. Na entrada,
uma galeria comercial abrigará lanchonete, farmácias, ótica,
doceria e outras lojas de apoio. O estacionamento tem mais
de mil vagas. Alguns consultórios já estão funcionando, mas
o hospital-dia e o centro de diagnósticos (ambos administrados
pelo Laboratório Fleury) serão abertos ao público em julho.
De acordo com Fábio Navajas, diretor comercial do International
Medical Center (grupo responsável pelo empreendimento), a
idéia é, em primeiro lugar, simplificar a vida do médico.
"O objetivo é que ele não precise se deslocar dentro da cidade,
perdendo tempo e qualidade de vida. O paciente também sai
beneficiado, porque pode se consultar, fazer exames de laboratório
e passar por intervenções cirúrgicas em um só local." Navajas
define o Higienópolis Medical Center: "É como se fosse uma
Daslu para os médicos. É o top dos consultórios. Podemos dizer
que fabricamos consultórios "Mercedes" e "Ferrari'".
Happy Hour do Bebê
Cromoterapia, aromaterapia e música ambiente embalarão os
recém-nascidos no novo edifício do Hospital São Luiz, com
inauguração prevista para hoje. Os apartamentos para a internação
contam com récamier (um tipo de divã) e TV a cabo com um canal
que transmite dicas de cuidado com o bebê. No "delivery room"
-quarto de pré-parto que se transforma na sala de parto-,
a gestante poderá usar o serviço de cromoterapia e banheira
de hidromassagem.
Por menos de uma semana, o ator Rodrigo Faro, 31, e sua mulher
não receberam sua filha Clara com os recursos do novo edifício
do São Luiz. "Estávamos planejando o parto nesse novo prédio,
mas Clara antecipou sua chegada", diz o ator, pai pela primeira
vez, que até arriscou notas no piano do American Bar da maternidade.
O hospital tem um "happy hour do bebê", em que um pianista,
violinistas e flautistas tocam para pais e visitantes. "Nem
parece que é uma maternidade. A pessoa só percebe que é um
hospital quando entra na sala de operações", afirma Faro.
Na maternidade Pro Matre, se o parto for normal, nem para
a sala de operações a paciente precisa ir. O local tem "unidades
de suítes para parto", ambientadas para reproduzir o conforto
de casa. Uma banheira de hidromassagem ajuda a relaxar durante
as contrações leves. Os armários e a cabeceira da cama em
madeira clara em nada lembram um centro cirúrgico convencional.
Na hora H, o local fica irreconhecível: equipamentos e utensílios
médicos embutidos saem dos nichos para auxiliar na realização
do parto.
Com exceção de 10% do espaço, a Pro Matre foi toda reformada.
Segundo o folheto publicitário do local, lá, pai e mãe também
ganham "colinho". Há vários modelos e tamanhos de quartos:
em todos, os banheiros são em mármore branco. A suíte master,
também conhecida como "suíte dos famosos" -várias celebridades,
diz-se, já tiveram filhos lá-, tem 70 m2 e custa R$ 1.530
a diária, o triplo de um quarto standard. Além do quarto,
há banheiro, sala de estar e terraço climatizados. Os móveis
de uma das melhores lojas de decoração do país, o piso em
madeira clara e o teto rebaixado lembram um charmoso apartamento.
Duas televisões de plasma ajudam a distrair paciente e acompanhantes
durante a estadia. Logo acima da TV, um monitor mostra o recém-nascido
no berçário. Para as mulheres que não querem aparecer descabeladas
nas fotografias de família, há um serviço delivery de beleza:
se a paciente desejar, cabeleireiro, maquiador, massagista
e manicure vão até ela.
A empresária Taciana Veloso, 30, teve seu filho na Pro Matre,
há um ano e meio, na época da redecoração da maternidade.
"Ficou outra coisa. A estrutura é novinha, clarinha, super
moderna. Parece um hotel, um apartamento que acabou de ficar
pronto." Para Taciana, esses luxos são importantes numa maternidade,
mas, em um hospital comum, não devem ser priorizados. "Quando
você vai ter filho, quanto mais bonito for tudo, melhor. Mas,
num hospital comum, não dá para dar muita bola para isso."
Ela relata que não usou o serviço de beleza porque passou
por cesariana e pôde se preparar para o momento. "Lembro de
outras mães que estavam lá e usaram. Uma delas me disse que
já saiu dali pronta para a festa de Natal."
Assim como a Pro Matre, o Hospital Santa Rita, também tradicional
na cidade, está mudando para se adaptar às novas exigências
do mercado. Na ala nova, que será inaugurada na próxima quarta-feira,
os banheiros são amplos, com pia de granito e pequenos azulejos
coloridos completando a parede branca. A campainha, que comunica
o quarto com o setor de enfermagem, funciona com comando de
voz. A fachada, em estilo neoclássico, e as portas antigas
de madeira foram preservadas. "Há alguns anos, era normal
um paciente ficar na enfermaria, com outras pessoas. Agora,
os clientes estão muito mais exigentes", afirma Carlos Lichtenberger,
diretor do hospital.
Cooper
Com o conceito de que, para uma melhor reabilitação, o paciente
precisa sair de seu quarto, o Hospital Sírio-Libanês mantém
até uma pista de cooper. Há também um centro de medicina esportiva
em que é possível ao acompanhante do paciente se exercitar.
"Quando não tem entretenimento, a pessoa se torna uma péssima
acompanhante", diz Marcia Caselato, gerente de hotelaria do
local. Entre outras opções de lazer, o hospital oferece passeios
culturais.
No saguão, é possível observar a luz natural vinda do solário
-às quintas, ao final da tarde, um pianista faz as honras
do hospital. Para quem chega, a recepção é como a de um hotel
de alto padrão: há um concierge e um bellboy, que carrega
as malas do paciente até o quarto. São duas suítes "cinco
estrelas" por andar, cada uma com frigobar, TV, DVD, livros
e revistas. Além do preço (a suíte "presidencial" custa R$
993,41 por dia, a básica, R$ 685,21), a diferença fica por
conta do espaço e do conforto.
As refeições são elaboradas por dois chefs -em 2003, a cozinha
do hospital ganhou o prêmio Nestlé Hospital Gourmet. No hospital
Albert Einstein, o cardápio também é preparado por uma chef
de cozinha. Outro serviço oferecido pelo Einstein atende "pedidos
especiais" -uma paciente que quer um serviço de beleza ou
uma criança internada que deseja ver seu cachorro, por exemplo.
Três vezes por semana, há um happy hour com pianista, contrabaixista
e guitarrista.
Na ala infantil, uma brinquedoteca ajuda a distrair os pacientes
mirins. Além dos brinquedos coloridos, há oficinas diárias
de arte. Na maternidade, há o Chá das Avós, que reúne as mães
das pacientes com a equipe de enfermagem. No setor de geriatria,
os quartos foram adaptados para esse público: as cores são
pouco reflexivas para evitar confusão sensorial, o piso reduz
o impacto no caso de quedas, a cama se transforma em poltrona
e há barras ao longo das paredes.
HC ou EINSTEIN?
Segundo Milton Glezer, do HC e do Einstein, os melhores profissionais
de hospitais públicos como HC ou Hospital São Paulo também
participam do corpo clínico dos hospitais mais caros de São
Paulo. Não é aí, portanto, que reside a diferença. "Mas, se
a pessoa quiser um bom serviço de hotelaria, vai para o Einstein."
Segundo ele, a busca pelo luxo é cultural em nosso país. "Se
um executivo está acostumado com o luxo, é provável que ele
também vá querer essa suntuosidade quando estiver doente."
Ele conta que, em outros países, "hospital é hospital, e não
um hotel cinco estrelas. Quando precisam ir a hospitais daqui,
muitos estrangeiros se espantam até com o fato de ter telefone
e TV no quarto".
O médico lembra que o luxo de um consultório não reflete o
nível do profissional atrás da mesa. "Não se pode acreditar
que uma clínica luxuosa terá o melhor profissional."
O arquiteto Lauro Michelin afirma que o ambiente desempenha
papel importante para melhorar a qualidade de vida do paciente
enquanto ele estiver doente e cita pesquisas na área de psicologia
ambiental que mostram como a cor afeta o metabolismo.
"Várias pessoas foram colocadas olhando para uma superfície
vermelha e tiveram sua pressão arterial e seus batimentos
cardíacos medidos. Depois de um tempo, aquela contemplação
provoca um estímulo que acelera os batimentos e a freqüência
cardiorespiratória. Também está provado que alguns azuis tendem
a diminuir a freqüência cardíaca e respiratória", diz.
ANA PAULA DE OLIVEIRA
FLÁVIA MANTOVANI
da Folha de S.Paulo
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