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REFLEXÃO


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urbanidade
04/02/2004

Vila vertical

O cineasta Ugo Giorgetti realizou, há dez anos, um filme de ficção intitulado "Sábado" em que sintetizava o caos paulistano num edifício decadente. As lembranças dos tempos gloriosos do prédio, ainda fixadas em fragmentos decorativos, mesclam-se na diversidade dos novos inquilinos sem resquícios do glamour do passado. São seres marginalizados e solitários, sempre à espera de um improvável elevador. Desde a semana passada, o cineasta vive a ficção às avessas.

Ele começou a rodar um documentário sobre o prédio que simboliza a decadência paulistana, mas está em via de se converter em uma experiência inusitada de recuperação urbana. É exatamente o inverso do roteiro de "Sábado". Giorgetti instalou-se no São Vito, no Pari -um cenário fétido, com seus 26 andares, apenas um elevador, 600 apartamentos, quase todos kitchenettes, onde se misturam trabalhadores, donas-de-casa, aposentados, travestis, prostitutas, traficantes, desempregados, drogados, todos prestes a serem desalojados por causa da reforma.

A idéia é registrar o começo, o meio e o fim da obra, com a volta de alguns dos antigos moradores do São Vito. O projeto arquitetônico, de Roberto Loeb -criador da Oficina Boracea, da sede do Unibanco, da sede da Natura e da Casa de Cultura de Israel, entre outros-, é ambicioso. "Vamos fazer uma vila vertical", diz Loeb.

O São Vito teria o aconchego de uma vila. Além da construção de apartamentos maiores -cada andar terá personalidade própria-, está planejada a criação de uma creche no 26º andar e de um restaurante-escola comunitário no térreo. Essa escola vai formar mão-de-obra qualificada para trabalhar com culinária, aproveitando-se da proximidade do Mercado Municipal, em via de se tornar um centro gastronômico. O que é hoje o tumultuado estacionamento do prédio, onde se amontoam ônibus que deixam compradores na 25 de Março, deverá ser uma praça que se estenderá, sem interrupção, até o parque Dom Pedro, passando pelo Museu da Cidade, ex-sede da prefeitura. O São Vito passaria, portanto, a ficar dentro de um parque.

O final desse filme pode ter ou não um desfecho feliz. Depois da reforma, se conseguir financiamento para recomprar um apartamento no São Vito, o atual morador vai viver num dos bons lugares da cidade. Se não conseguir, o que é mais provável, terá de se conformar com outro espaço decadente.


 

Coluna originalmente publicada na Folha de S. Paulo, na editoria Cotidiano.

   
 
 
 

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