REFLEXÃO


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urbanidade
04/06/2008

O jardineiro invisível

Shinzo Okuda, que ajudou a recuperar a praça Ramos, faz parte de uma lista ilustre que homenageará Antônio Ermírio


Numa lista de banqueiros, industriais, jornalistas, executivos, intelectuais, políticos (entre os quais Lula, Fernando Henrique Cardoso, José Serra e Aécio Neves) e artistas, Shinzo Okuda é o único personagem invisível. Quando o convidaram a entrar nessa lista, perguntou-se: "Meu Deus, que fazer?".

Shinzo ficaria no anonimato não fosse ter sido convidado para integrar o grupo das 80 pessoas que escreveriam textos para um livro sobre Antônio Ermírio de Moraes, que completa hoje 80 anos -o livro foi a forma encontrada pelos amigos de homenagear o empresário.

Nascido no Japão há 64 anos, Shinzo veio para o Brasil quando tinha 13 anos e teve de se esforçar para aprender português e freqüentar a escola -ainda hoje ainda enfrenta certa dificuldade para se expressar.

"Pensei até em pedir a alguém mais letrado que escrevesse bonito, mas não iam ser as minhas palavras, os meus sentimentos."

Shinzo foi escolhido porque é jardineiro e ajudou a recuperar a praça Ramos, abandonada, com seu permanente cheiro de urina e de fezes. Em frente a essa praça, casaram-se os pais de Antônio Ermírio -e, exatamente nesse lugar, o empresário montou um império industrial e se tornou o homem mais rico do país. Quase se habituou ao abandono da paisagem, antes tão elegante.
Até que Shinzo chegasse.

O prédio em que se casaram os pais de Antônio Ermírio passou a abrigar a sede da Votorantin, de onde se vê a praça Ramos, ao lado do viaduto do Chá. Até o final da década de 1990, aquele espaço compunha mais um entre tantos cenários da degradação da região central. "Vou chamar um japonês para dar um jeito nisso", comprometeu-se o empresário.

O japonês era Shinzo, que cuidava dos canteiros do Hospital Beneficência Portuguesa, dirigido por Antônio Ermírio. "A praça não podia estar pior", lembra-se Shinzo.

A tarefa parecia infindável. Muitos mendigos e moradores de rua destruíam o que era plantado.

O empresário não se contentou em ser o zelador à distância da praça ao longe, protegido em seu gabinete.

Muitas vezes, sozinho, ia ver de perto o jardim e aborrecia-se com uma flor amassada ou um canteiro destruído. Não se imaginava, porém, derrotado -afinal, a derrota seria lembrada todos os dias em que chegasse ao escritório.

Com a ajuda de Shinzo, ele venceu. O local se transformou, de novo, num cartão-postal, sugerindo a lembrança dos tempos do casamento de seus pais. Para completar o cenário, Antônio Ermírio decidiu fazer uma iluminação especial da fachada de seu prédio, para compor um jogo de luzes com a praça.

Por causa dessa pequena vitoriosa batalha urbana, Shinzo entrou na lista de personalidades do livro -até então, no seu anonimato, só tinha sido visível publicamente na forma de folhas e flores.



Coluna originalmente publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.

   
   
 
 

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