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REFLEXÃO

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URBANIDADE
08/10/2003

Tempos modernos

Prensas antigas, tipos móveis e desenhos gravados em madeira, incensados pelo cheiro de tinta fresca, produzem uma inevitável sensação de volta no tempo no ateliê Piratininga, na Vila Madalena. Ali germina uma rebeldia -bem contemporânea- que começa a aparecer nas ruas de São Paulo.

Naquele cenário, em que se trabalha com peças já usadas na Antiguidade pelos chineses e, há quase seis séculos, reiventadas por Gutenberg para imprimir a Bíblia, trama-se uma guerrilha contra a poluição visual.

Os artistas plásticos Ernesto Bonato e Ulysses Boscolo convidam os visitantes do ateliê, qualquer visitante, a posar, mesmo que seja o carteiro ou quem faz a leitura da água. Com pedaços de carvão, fazem os retratos numa placa de madeira. Do molde de madeira -a matriz xilográfica-, saem centenas de cartazes artesanais, feitos um a um, para serem afixados nas paredes e muros sujos.

"Estamos dialogando com a poluição, estabelecendo uma nova linguagem de arte pública", diz Ernesto, que, estudante da ECA (Escola de Comunicações e Artes), da USP, foi aluno de Evandro Carlos Jardim, professor que o fez apaixonar-se pela impressão na madeira e pela arte comunitária.

As xilogravuras de Ernesto e de Ulysses fazem parte da experiência, nascida -não poderia ser, obviamente, em outro lugar- na Vila Madalena, para repensar o visual das ruas, tomadas pela feiúra crônica. Reunidos nos ateliês comunitários Piratininga e Coringa, 18 artistas plásticos produzem obras inéditas, misturando-as calculadamente à profusão caótica de cartazes, desses que anunciam de shows a leitura de tarô. "As imagens feitas pelo projeto produzem uma nova forma de olhar a cidade e dão chance de vivência estética a quem não frequenta galerias", diz Ulysses.

O próximo passo é criar outdoors artísticos ambulantes, decorando os carrinhos puxados por catadores de lixo reciclável. Involuntariamente, esses carrinhos, espalhados e em movimento, virariam uma espécie de instalação de arte, mostrando os surpreendentes encaixes do tempo: os veículos de tração animal, tão atuais no trânsito paulistano, já faziam parte das gravuras de chineses na Antiguidade, quando se empregavam os rudimentos da xilogravura -agora, em São Paulo, quase dois milênios depois, são uma forma contemporânea de protesto contra o caos visual.

 

Coluna originalmente publicada no jornal Folha de S. Paulo, às quartas-feiras

   
 
 
 
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