Dados
do IML mostram queda de 57% no número de mortes violentas
ocorridas nos fins de semana na cidade de São Paulo
Um relatório oficial concluído na sexta-feira
passada, com base em registros do Instituto Médico
Legal, mostrou uma redução de 57% no número
de mortes violentas ocorridas nos fins de semana na cidade
de São Paulo desde a implantação da chamada
"lei seca" -e aí se computa a queda não
só dos acidentes de trânsito mas também
dos assassinatos.
Só está acontecendo o que muita gente fala há
muito tempo sobre a relação entre álcool
e violência. Foram necessários anos e anos de
denúncias e estatísticas até que as autoridades
se convencessem da gravidade do problema e passassem a agir
com mais dureza.
Esse relatório do IML é um ingrediente de uma
história que ainda não foi contada -a história
de centenas de milhares de pessoas, que, nos últimos
20 anos, enfrentaram as mais diferentes modalidades de violência
ligadas à exclusão. Essa é uma batalha
que está apenas começando, mas já traz
algumas vitórias.
Um exemplo de violência é a gravidez indesejada.
A epidemia da gravidez precoce teve uma redução
de 35% nos últimos dez anos em São Paulo -essa
informação, divulgada na semana passada, é
expressiva especialmente em comparação com a
tendência crescente nacional, segundo a qual, em 2007,
612 mil adolescentes se tornaram mães.
Os avanços ocorreram por causa da derrubada de tabus.
Diminuiu-se um pouco a distância entre os jovens e os
métodos contraceptivos, com máquinas de distribuição
de camisinhas nas escolas e a distribuição de
pílulas do dia seguinte nos centros de saúde.
Não faz muito tempo, muita gente tinha até vergonha
de pedir um preservativo na farmácia, como se fosse
um produto pornográfico.
Estudiosos atribuem parte da acentuada queda do número
de assassinatos na cidade de São Paulo a questões
demográficas combinadas com o avanço na escolaridade,
favorecidas, em parte, pela redução do número
de mães jovens na periferia.
A mais estúpida das violências é a morte
de crianças, não raro vítimas de doenças
fáceis de tratar. A desnutrição infantil
despencou, no Nordeste, 70% nos últimos dez anos, segundo
divulgou o Ministério da Saúde neste mês.
Nesse período, a mortalidade infantil caiu 44%.
Não teríamos resultados tão rápidos
sem as campanhas contra a fome, o estímulo ao aleitamento
materno, a disseminação do sal de reidratação
oral e a propagação dos agentes comunitários
de saúde e do médico de família, além
do esforço de saneamento básico. Foi necessário
que se expusessem as experiências pioneiras do Ceará,
na década de 1980, de redução da mortalidade
infantil para que aquelas práticas tivessem impulso
nacional ou para que prosperassem os programas da Pastoral
da Criança, tocados pela pediatra Zilda Arns.
Esse tipo de ofensiva está associado a um consenso
sobre ações que surgiram em oposição
ao assistencialismo, tão comum no país. Eram
programas de renda mínima exigindo contrapartidas,
depois unificados no Bolsa-Família -e aqui foram decisivas
as experiências germinadas em Brasília e em Campinas,
depois ampliadas pelo governo federal.
Produziram-se dados mais precisos sobre a realidade brasileira
e vimos o tamanho do desperdício de dinheiro público,
com a falta de foco e a fragmentação dos recursos.
Justamente aí cresceu a tendência de estimular
o cruzamento de ações num mesmo território
-um processo que ainda está muito longe de alterar
a gestão de verbas públicas, embora já
existam modelos locais bem-sucedidos.
Tome-se uma cidade como Apucarana, no Paraná, onde
não existe Secretaria da Educação. Uma
Secretaria de Desenvolvimento Humano articula o maior número
possível de programas municipais em torno das escolas.
As notas dos alunos das escolas municipais, segundo mostra
o ranking do Ministério da Educação,
tiveram uma rápida subida -relatei a experiência
neste link.
O crescimento econômico por si só não
teria feito cair a miséria e melhorar a distribuição
de renda. Foi e é fundamental a visão de que
se deveriam focar os recursos diretamente nos mais pobres.
O processo, porém, só será sustentável
se as pessoas ganharem autonomia, o que ainda está
longe de acontecer.
É por isso que, neste momento, se está consolidando
o mais importante dos consensos: a distribuição
de renda e a queda do desemprego (e até a do crescimento
econômico) estão ligadas à evolução
do capital humano. O avanço conceitual está
no estabelecimento de metas educacionais de longo prazo e
na possibilidade de o cidadão saber o que ocorre dentro
de cada escola.
Tão importante quanto o consenso pela volta da democracia
é, neste momento, o consenso sobre como enfrentar a
exclusão -nossa pior opressão.
PS- Neste mês, comemora-se a maioridade do ECA (Estatuto
da Criança e do Adolescente). Criado exatamente quando
se divulgaram dados nacionais sobre o assassinato sistemático
de crianças, além da prostituição
infantil, quando se apresentou ao país a guerra urbana
que se instalava nas metrópoles -o mais sombrio efeito
da chamada década perdida-, sua grande importância
nesses 18 anos foi ter mudado mentalidades para tentar colocar
a criança e o adolescente no foco das políticas
públicas.
Coluna originalmente
publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.
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