HOME | NOTÍCIAS  | SÓ SÃO PAULO | COMUNIDADE | CIDADÃO JORNALISTA | QUEM SOMOS


REFLEXÃO


Envie seu comentário

 

folha de S.paulo
15/08/2004
Para entender os CEUs e não ser enganado pelos marqueteiros

A sucessão municipal não está ajudando a esclarecer o significado dos CEUs (Centros Educacionais Unificados). Embora eles sejam um dos tópicos centrais da eleição paulistana, nem a prefeita Marta Suplicy nem seus opositores conseguem explicar ou criticar adequadamente os chamados "escolões".

A oposição manipula quando compara o custo de uma escola normal com o de um CEU. Não há termos de comparação, e os críticos da experiência deveriam saber disso. Um CEU é, além de sala de aula, um complexo comunitário e cultural, com piscina, teatro, telecentro etc. Daí custar mais: R$ 17 milhões para construir cada um e R$ 500 mil mensais para mantê-lo funcionando. A comunidade recebe também atividades esportivas e culturais.

Tal manipulação só é possível, porém, graças à outra manipulação: a manipulação da prefeitura.

Na propaganda oficial, os CEUs são apresentados como uma "revolução educacional". Errado: o menos importante da experiência é ser uma escola. Explico melhor.

Os 21 "escolões" atendem a menos de 5% dos estudantes municipais, ou seja, são 50 mil crianças em meio a 1 milhão de alunos das demais escolas.

Se usarmos apenas o critério educacional, há mais argumentos para atacar do que para defender a idéia. Afinal, não foram ainda desativadas as escolas de lata e, pior ainda, calcula-se em 170 mil o número de crianças de quatro a seis anos fora das salas de aula.

Nas escolas de lata, há 50 mil alunos, exatamente o mesmo número de estudantes dos CEUs.

Desse ponto de vista, é como alguém, ao reformar uma casa, instalar uma banheira jacuzzi enquanto a cozinha permanece cheia de vazamentos.

Isso significa que a experiência não presta? Não. Significa que o argumento básico usado para defender os CEUs -a melhoria da educação pública- é limitado. E a razão de a prefeitura usar esse argumento, embora não admitida, é simples: para gastar tanto dinheiro em esporte e cultura, seria necessário usar a rubrica orçamentária da educação.

Se fossem apresentados não como escolas com centros comunitários, mas como centros comunitários com escolas, haveria mais argumentos favoráveis do que contrários -especialmente se a conta fosse mais bem rateada.

É importante que, em regiões desoladas, sejam produzidos capital social e espaços em que as pessoas se sintam cidadãs, misturando cultura, esporte, educação e até geração de renda -uma política decisiva quando se deseja prevenir a violência.

Tanto isso é verdade que o PSDB, em São Paulo, adversário dos CEUs, pretende construir na periferia centros culturais voltados para jovens.
Como centros comunitários, os CEUs mostram impacto muitas vezes maior do que suas salas de aula, que abrigam apenas 5% da população estudantil das escolas municipais.

Resumindo: como escola, aquele espaço é maravilhoso, enche os olhos, emociona até, mas é um privilégio para poucos e jamais será universalizado numa cidade quebrada como São Paulo; como centro comunitário cultural e esportivo, é uma experiência valiosa que reduz a exclusão social.

Para saber se o gasto vale ou não a pena, o eleitor que não se impressiona com o marketing oficial nem com a manipulação oposicionista terá de responder, com base em suas prioridades e valores, à seguinte questão: seria melhor para a cidade criar centros culturais e esportivos para os pobres ou utilizar todos os recursos para melhorar o sistema regular de ensino?

Admito que tenho dificuldade de criticar os CEUs; há anos, nesta Folha, defendo experiências desse molde para o enfrentamento da pobreza. Nenhum educador brasileiro me influenciou mais que Anísio Teixeira, o inventor da escola-parque, onde se localiza o DNA da experiência paulistana. Mas, se dependesse de mim, investiria toda a verba dos CEUs na melhoria da educação infantil. Para começar, nenhuma criança de quatro a seis anos deveria ficar fora da escola. A fase de zero a seis anos é decisiva para o desenvolvimento do ser humano.

Os CEUs, porém, já estão construídos e são um avanço para as populações mais pobres. Pode ser uma estratégica educacional duvidosa, mas é uma ação adequada para valorizar a periferia, dominada pela violência. Seria um crime o dinheiro investido sair pelo ralo em caso de derrota de Marta Suplicy.

PS - O risco mais grave dos CEUs é o marketing. Marta Suplicy transformou-os em peça publicitária para se reeleger. Não há um único educador sério capaz de ver nisso uma "revolução educacional", como vem sendo propagandeado. Pode até gostar e até elogiar o projeto, mas falar em revolução é uma monumental impropriedade só justificada pela esperteza de quem a divulga e pela ignorância de quem a ouve. O personalismo e as eleições não permitiram que o projeto se transformasse numa marca social da cidade -e ele acabou sendo a marca de uma pessoa e de um partido.

Esse é o melhor caminho para que os sucessores, como já aconteceu com experiências similares, irresponsavelmente desprezem a obra. Daí que, até agora, a melhor sugestão, aceita por José Serra, veio de Luiza Erundina: fazer um consórcio dos governos federal e estadual para assumir os CEUs, abrindo-os para programas das escolas técnicas e de ensino médio.



Esta coluna é publicada originalmente na Folha de S. Paulo, na editoria Cotidiano.

   
 
 
 

COLUNAS ANTERIORES
11/08/2004 Memória por um fio
10/08/2004 O Oscar de Lula vai para...
08/08/2004 0800-156315: o número da inteligência comunitária
04/08/2004
Um porão supremo
02/08/2004
A incrível promessa de Lula
01/08/2004
Diplomas de aluguel
28/07/2004
Uma cidade na mesa de um bar
27/07/2004
Estão formando charlatões?
25/07/2004
Está em andamento uma rebelião sem volta
21/07/2004
O tempo não pára