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São Paulo está preparada
para produzir um modelo de inclusão social pela educação
que deve provocar impacto em todo o país, sem necessariamente
construir novos prédios ou fazer mais contratações.
Essa é uma das principais perspectivas que a cidade
oferece ao completar, nesta semana, 451 anos.
Não é uma revolução nem a reinvenção
da roda, mas apenas uma evolução do que já
vem, esparsamente e em pequena escala, ocorrendo no Brasil.
Não é uma obra de um governante nem de um partido.
Muito menos será realizada em apenas um mandato. Como
qualquer ação séria em educação,
os efeitos demoram.
O fato é que as peças da engrenagem estão
à disposição; basta apenas juntá-las.
Todos sabemos que a boa escola pública depende essencialmente
de diretores e professores preparados, de um currículo
conectado ao cotidiano, de instalações físicas
razoáveis (biblioteca, laboratórios, salas de
aula que não estejam superlotadas), da vivência
cultural dos estudantes e da participação da
comunidade.
Para reduzir as dificuldades educacionais, por que não
integrar espaços da cidade (museus, teatros, quadras
esportivas, parques, praças, ateliês, fábricas,
cinemas, centros culturais) às escolas, criando um
leque mais amplo de possibilidades de aprendizado? Não
seria possível fazer isso?
Depois de 451 anos de existência, São Paulo já
tem condições de responder positivamente a essa
questão. Há uma confluência de tendências
que desembocam neste aniversário.
Deve-se a Marta Suplicy a disseminação em São
Paulo do conceito, lançado na Europa nos anos 70, de
"cidade educadora". Os próprios CEUs, com
todas as restrições pedagógicas que possam
ser feitas a eles, estabeleceram uma ligação
mais próxima entre educação formal e
comunidade. Ocorrem na cidade férteis experiências
públicas de abertura de escolas nos fins de semana,
envolvendo voluntários, entre os quais milhares de
universitários.
O valor pedagógico dessa proximidade inspira a proposta
de "pós-escola", lançada pela administração
Serra, segundo a qual o aluno aprende em dois períodos:
num deles, em sala de aula; no outro, em alguma atividade
comunitária. A idéia é que haja uma espécie
de escola em período integral, porém bancada
não só pelo poder público.
A Secretaria Municipal da Educação mostra-se
disposta a capacitar professores e diretores para fazer essa
ponte entre a escola e a cidade, a começar do bairro;
a isso se dá o nome de pedagogia comunitária,
testada (e com sucesso) em cidades como Barcelona, na Europa.
São Paulo dispõe de um satisfatório equipamento
para a prática do "pós-escola". Além
dos CEUs, a periferia deve ganhar, nos próximos anos,
oito "fábricas de cultura", instalações
destinadas especialmente aos jovens. Somem-se a isso a rede
montada pelo Sesc e as centenas de clubes esportivos públicos.
Como pela primeira vez o governo e o prefeito são do
mesmo partido, abre-se a possibilidade de integração,
em torno das escolas, de espaços municipais e estaduais,
unindo os mais diferentes programas.
Tão importante quanto a mudança da visão
sobre a educação e a interação
entre o Estado e o município, São Paulo vive
uma efervescência comunitária. Desenvolvem-se
os mais diferentes programas de inclusão social e de
melhoria da educação, bancados por empresas,
sindicatos, fundações, igrejas, ONGs, associações
de bairro. Mais: há uma onda de trabalho voluntário.
É uma rica galeria de projetos nas mais variadas áreas,
de gestão escolar e ciências, passando por dança,
nutrição, música, tecnologia, esportes
e ambiente até literatura, cinema e teatro.
Quase todas as entidades que desenvolvem essas experiências
estão dispostas a repassar seu conhecimento e a capacitar
professores. As tecnologias de informação permitem
que o professor sejam capacitado sem precisar se locomover.
Ainda não é possível saber até
que ponto José Serra está interessado em fazer
da cidade uma comunidade de aprendizagem e, no caso de estar,
qual será a eficiência da gestão. É
claro que não é fácil. Há obstáculos
imensos, que vão da reação de professores
que não querem mudanças, passando pela ligação
entre a grade curricular, o mundo exterior e a sala de aula,
à logística que envolve a movimentação
dos alunos.
O fato, porém, é que a cidade está preparada
para fazer um marco na educação brasileira usando
mais as inteligências disponíveis do que os prédios.
Assim se mede o QI de uma cidade.
PS - Esse conceito de "cidade educadora" ou comunidade
de aprendizagem é, paradoxalmente, uma volta às
origens. Há 451 anos, São Paulo nasceu como
uma escola. É a única cidade de que se tem notícia
que surgiu da vontade de educar pessoas. Só não
somos civilizados de verdade porque não se levou às
últimas conseqüências essa noção
de que a educação é a principal riqueza
de uma comunidade e de que a democracia começa de verdade
na escola pública. Pagamos todos os dias o preço
da ignorância.
Coluna originalmente publicada na
Folha de S. Paulo, na editoria Cotidiano.
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