HOME | NOTÍCIAS  | SÓ SÃO PAULO | COMUNIDADE | CIDADÃO JORNALISTA | QUEM SOMOS


REFLEXÃO


Envie seu comentário

 

folha de s. paulo
23/01/2005
O QI da cidade de São Paulo

São Paulo está preparada para produzir um modelo de inclusão social pela educação que deve provocar impacto em todo o país, sem necessariamente construir novos prédios ou fazer mais contratações. Essa é uma das principais perspectivas que a cidade oferece ao completar, nesta semana, 451 anos.

Não é uma revolução nem a reinvenção da roda, mas apenas uma evolução do que já vem, esparsamente e em pequena escala, ocorrendo no Brasil. Não é uma obra de um governante nem de um partido. Muito menos será realizada em apenas um mandato. Como qualquer ação séria em educação, os efeitos demoram.
O fato é que as peças da engrenagem estão à disposição; basta apenas juntá-las.

Todos sabemos que a boa escola pública depende essencialmente de diretores e professores preparados, de um currículo conectado ao cotidiano, de instalações físicas razoáveis (biblioteca, laboratórios, salas de aula que não estejam superlotadas), da vivência cultural dos estudantes e da participação da comunidade.
Para reduzir as dificuldades educacionais, por que não integrar espaços da cidade (museus, teatros, quadras esportivas, parques, praças, ateliês, fábricas, cinemas, centros culturais) às escolas, criando um leque mais amplo de possibilidades de aprendizado? Não seria possível fazer isso?

Depois de 451 anos de existência, São Paulo já tem condições de responder positivamente a essa questão. Há uma confluência de tendências que desembocam neste aniversário.

Deve-se a Marta Suplicy a disseminação em São Paulo do conceito, lançado na Europa nos anos 70, de "cidade educadora". Os próprios CEUs, com todas as restrições pedagógicas que possam ser feitas a eles, estabeleceram uma ligação mais próxima entre educação formal e comunidade. Ocorrem na cidade férteis experiências públicas de abertura de escolas nos fins de semana, envolvendo voluntários, entre os quais milhares de universitários.

O valor pedagógico dessa proximidade inspira a proposta de "pós-escola", lançada pela administração Serra, segundo a qual o aluno aprende em dois períodos: num deles, em sala de aula; no outro, em alguma atividade comunitária. A idéia é que haja uma espécie de escola em período integral, porém bancada não só pelo poder público.

A Secretaria Municipal da Educação mostra-se disposta a capacitar professores e diretores para fazer essa ponte entre a escola e a cidade, a começar do bairro; a isso se dá o nome de pedagogia comunitária, testada (e com sucesso) em cidades como Barcelona, na Europa.

São Paulo dispõe de um satisfatório equipamento para a prática do "pós-escola". Além dos CEUs, a periferia deve ganhar, nos próximos anos, oito "fábricas de cultura", instalações destinadas especialmente aos jovens. Somem-se a isso a rede montada pelo Sesc e as centenas de clubes esportivos públicos.

Como pela primeira vez o governo e o prefeito são do mesmo partido, abre-se a possibilidade de integração, em torno das escolas, de espaços municipais e estaduais, unindo os mais diferentes programas.

Tão importante quanto a mudança da visão sobre a educação e a interação entre o Estado e o município, São Paulo vive uma efervescência comunitária. Desenvolvem-se os mais diferentes programas de inclusão social e de melhoria da educação, bancados por empresas, sindicatos, fundações, igrejas, ONGs, associações de bairro. Mais: há uma onda de trabalho voluntário. É uma rica galeria de projetos nas mais variadas áreas, de gestão escolar e ciências, passando por dança, nutrição, música, tecnologia, esportes e ambiente até literatura, cinema e teatro.

Quase todas as entidades que desenvolvem essas experiências estão dispostas a repassar seu conhecimento e a capacitar professores. As tecnologias de informação permitem que o professor sejam capacitado sem precisar se locomover.

Ainda não é possível saber até que ponto José Serra está interessado em fazer da cidade uma comunidade de aprendizagem e, no caso de estar, qual será a eficiência da gestão. É claro que não é fácil. Há obstáculos imensos, que vão da reação de professores que não querem mudanças, passando pela ligação entre a grade curricular, o mundo exterior e a sala de aula, à logística que envolve a movimentação dos alunos.

O fato, porém, é que a cidade está preparada para fazer um marco na educação brasileira usando mais as inteligências disponíveis do que os prédios. Assim se mede o QI de uma cidade.

PS - Esse conceito de "cidade educadora" ou comunidade de aprendizagem é, paradoxalmente, uma volta às origens. Há 451 anos, São Paulo nasceu como uma escola. É a única cidade de que se tem notícia que surgiu da vontade de educar pessoas. Só não somos civilizados de verdade porque não se levou às últimas conseqüências essa noção de que a educação é a principal riqueza de uma comunidade e de que a democracia começa de verdade na escola pública. Pagamos todos os dias o preço da ignorância.

Coluna originalmente publicada na Folha de S. Paulo, na editoria Cotidiano.

   
 
 
 

COLUNAS ANTERIORES
19/01/2005 Escola dá vida
16/01/2005
Criança não é brincadeira
12/01/2005
Emprego da onda
01/01/2005
É um crime
09/01/2005 Férias inesquecíveis
05/01/2005 Para sempre
02/01/2005
Porque São Paulo merece uma festa
29/12/2004
As aulas práticas de Nathalia
28/12/2004
Lula foi bem, de novo
26/12/2004
A escola que descobriu o espírito de Natal