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Por trás do glamour
11/03/2005
Mulheres buscam caule de bananeiras para criação de seus produtos

Às 8h30, elas saem de facão em punho em busca de caules de bananeira, árvore que empresta a fibra usada em grande parte dos produtos que criam, como braceletes e brincos. A jornada só termina às 17h30. E ajuda a reduzir os custos da moda originalíssima que produzem. O grupo de 14 artesãs fez sua estréia no Fashion Rio e agora quer ganhar o mundo.

No Fashion Rio, enquanto os desfiles aconteciam nas passarelas, num dos estandes da feira de negócios que acontece em paralelo, elas exibiam suas criações: braceletes e brincos de palha de bananeira, colchas de algodão com macramê, vestidos com renda de algodão e xales franjados.
Em cada um deles, as aplicações de sementes e contas garantiam o sucesso das peças e divulgavam o trabalho das artesãs da cooperativa Estação do Nó, todas de Miguel Couto, bairro de Nova Iguaçu (Baixada Fluminense).

"Quando vimos estávamos todas envolvidas. Parecia um sonho. Nem conseguíamos acreditar que nossos produtos estavam num evento tão chique", comemora Adriana Marcionílio, de 30 anos, uma das artesãs.

Retorno meteórico
Em dezembro, o sucesso se repetiu. A participação na Feira da Providência, no Riocentro, em Jacarepaguá, Zona Oeste carioca, contribuiu para tornar os produtos da cooperativa ainda mais conhecidos e ainda rendeu em torno de R$ 1 mil.

Um empurrãozinho da ONG Visão Mundial fez com que peças de cama e mesa da Estação do Nó também chegassem a uma feira de Olinda, em Pernambuco. "Mandamos três caixas de produtos e vendemos bastante", orgulha-se Adriana.

O entusiasmo das artesãs só não tem sido maior que a surpresa. "Tudo tem acontecido tão rapidamente. Nem bem começamos, já estamos colhendo os frutos de nosso trabalho. Muitos artesãos e estilistas que participaram da Fashion Rio já estavam no mercado há anos, enquanto nós, com poucos meses, estávamos conseguindo todo esse reconhecimento", anima-se Adriana.

Com razão. A cooperativa foi criada há apenas oito meses, e elas ainda estão aprendendo a gerir o próprio negócio. Apesar disso, vêm recebendo mais encomendas do que esperavam.

Vítimas do sucesso
É bem verdade que a cooperativa tem contado com algumas parcerias valiosas. Do Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), elas têm a colaboração constante. E contam com a Coopefati, uma cooperativa ligada à Casa do Menor, por onde todas passaram pelo aprendizado de artesanato, para cuidar das questões burocráticas.

Mas o sucesso, para elas, foi uma faca de dois gumes. Ajudou a divulgar e a deslanchar o trabalho da cooperativa, mas tem sido também um de seus grandes problemas. As encomendas, em número crescente, têm exigido maior dedicação para um retorno financeiro ainda quase nulo.

Com isso, das cerca de 25 artesãs que deram o pontapé inicial à cooperativa, hoje apenas 14 prossiguem com o negócio.

Até dezembro passado, elas não tiravam nem um tostão da cooperativa. Todo dinheiro que entrava servia como capital de giro e era usado para investir em matéria-prima, segundo garante a responsável pelas finanças do grupo, Anna Lucy Chenaud, de 49 anos.

"Foi um período de investimentos, e nem todas concordaram. Muitas não tinham outra fonte de renda e precisavam de dinheiro, então acabaram saindo do grupo", garante.

Trabalho duro
O trabalho é pago por produção. "Quem produz mais ganha mais. É mais justo e evita confusão", afirma Anna. Ela não esconde que houve muitos conflitos. Chegaram a tirar dinheiro do bolso para pagar dívidas e comprar material.

"Mesmo com encomendas grandes não é fácil, porque existe prazo para pagamento e o dinheiro demora a chegar. Algumas meninas não compreendiam e muitas ainda sofriam a pressão da família", lembra Anna.

Mesmo hoje, o saldo é pequeno, embora positivo, na opinião das artesãs. Cada uma delas recebe entre R$ 50 e R$ 100 por mês. Ainda é muito pouco, principalmente se se levar em conta a dureza do trabalho. "Mas temos a certeza de que a tendência é melhorar", anima-se Anna.

O que começou a partir de um curso promovido pela Casa do Menor, na comunidade, dirigido pela igreja católica local e com apoio do Sebrae, passou a ser alternativa de vida e caminho profissional.

"Aprendemos técnicas de artesanato, como macramé, bordado e confecção de bijuterias e aproveitamos as afinidades para formar um grupo e levar adiante um negócio próprio", conta Anna.

Carregando nas costas
Foi no curso que elas aprenderam a cortar o caule da bananeira. "Aprendemos isso no curso. E como essa fibra não é comercializada, onde encontramos uma árvore que possa ser cortada vamos à luta", diz Adriana.

Ela explica que apenas as árvores que já deram frutos e que não voltarão a florescer podem ser cortadas. Pior mesmo é carregar o caule para casa. "Sempre encontramos um homem caridoso que nos ajuda a cortar, mas na hora de carregar sobra pra gente", garante a professora aposentada Joana Pozzi Ferreira, de 50 anos.

O caule cortado tem que ser usado no máximo em uma semana. É preciso desfibrá-lo manualmente e colocá-lo para secar por três dias. Só então se obtém a matéria-prima final, parecida com uma fita de palha.

Estação é terapêutica
Apesar do trabalho pesado, não falta animação à nenhuma delas. "Tem dia que é dureza, tem tanta coisa a fazer que as meninas ficam quase loucas. Então, trocamos idéias, conversamos. É preciso rir um pouco das próprias dificuldades", afirma Anna Lucy. Apesar de tudo, ela faz questão de afirmar que a rotina dura só lhe fez bem.

"Me salvou da depressão. Dava aulas de reforço escolar em casa, fazia bicos como manicure, mas estava sem perspectivas e com problemas pessoais. Achava que ia morrer", lembra.
Depois do curso de artesanato, tudo mudou. Mas a grande virada, para ela, se deu quando conheceu suas atuais companheiras, no ano passado.

"Com a chegada dos cursos de qualificação do Sebrae, o grupo ficou mais unido. É muito mais prazeroso produzir em quantidade, ver que as chances de venda aumentam. Sozinha não daria conta", admite.

Para Joana, que nunca havia trabalhado com artesanato, a cooperativa foi uma opção de trabalho independente. Os filhos têm um salão de beleza e preferiam que ela ficasse em casa descansando ou que ajudasse no salão. Joana cansou de ouvir que a cooperativa tinha trabalho demais e dinheiro de menos.

"Queriam que eu desistisse, mas para mim não é só o dinheiro que me interessa. A Estação é como uma terapia. Quero continuar me divertindo, fazendo o que gosto", afirma, sorridente.

"Pagam sem reclamar"
Com a grana curta, às vezes bate desânimo para todas elas. A própria Anna admite que chegou a pensar em desistir. "Mas quando quis chutar o balde, lembrei do quanto lutamos para chegar aqui e acabei voltando atrás", confessa.

Agora, nem mesmo a pouca receptividade das peças na vizinhança faz Anna mudar de idéia. "Acho que há um certo preconceito. Quando falamos que trabalhamos com artesanato, tem gente que acha moleza, não valoriza o que fazemos, preferindo comprar em lojas conhecidas", reclama.

Ela vai além ao explicar: "Fazemos roupas que são vendidas em butiques ou grandes feiras por R$ 80 ou mais. Aqui, oferecemos pela metade do preço e as pessoas não compram. E não é por falta de poder aquisitivo porque nos shoppings elas pagam caro sem reclamar", conta.

Para resolver esse e outros problemas, elas organizam reuniões periódicas, em que discutem de questões de relacionamento aos altos e baixos do mercado.

A consultoria constante do Sebrae tem sido fundamental para elas. Como muitas de suas peças já chegaram a outros países pelas mãos dos estrangeiros que visitam a Casa do Menor, onde alguns produtos ficam expostos, elas querem preparar estratégias para conquistar estes mercados no exterior e no restante do país.

"O próximo passo é a preparação de um catálogo de nossos produtos. Mas isso é caro e leva algum tempo", explica Anna. Também querem qualificar novas profissionais para ampliar o grupo. "Estamos trazendo gente nova e com disposição para nos ajudar com o trabalho. É importante repassar o que aprendemos. Vamos aumentar ainda mais esta família", afirmam, otimistas. No que depender de sua vontade, a Estação do Nó veio para ficar.

CRISTIAN FERRAZ
do site setor3
VILMA HOMERO
do projeto Viva Favela

 
 
 

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