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Fraude
explica
Forçado
a renunciar sob a acusação de participar da
fraude da violação do painel eletrônico
do Senado, Antonio Carlos Magalhães, em seu discurso
de despedida, cometeu uma fraude descoberta na semana passada
-e, mais uma vez, de comprovação irretocável.
Numa violação
do direito autoral, tomou emprestados, sem citar a fonte,
trechos de um pronunciamento de Afonso Arinos de Mello Franco,
feito em 9 de agosto de 1954, no qual o então deputado
federal exigia a renúncia de Getúlio Vargas.
Vivia-se, então, a crise provocada pela tentativa de
assassinato de Carlos Lacerda, quando, por engano, morreu
um major da Aeronáutica. Poucos dias depois daquele
discurso, Vargas cometeria suicídio.
Ao apropriar-se
daquelas palavras, certamente o ex-senador quis conferir à
sua renúncia uma grandiosidade histórica e foi
procurar no passado fontes de inspiração.
Mas, em
essência, acrescentou mais um detalhe à tragicomédia
da manipulação política, na qual a imprensa,
inclusive esta coluna de hoje, é figurante.
Como também
são figurantes o presidente da República, que,
na sexta-feira passada, ameaçou processar o ex-senador,
a Bolsa de Valores e o mercado do dólar, cujas oscilações
chegaram a ser influenciadas pelas suas entrevistas.
O caso
ACM entra na história não só pela renúncia
mas pela aula de anatomia de manipulação; o
plágio é uma espécie de cereja no bolo
da fraude. Pode-se extrair daí uma valiosa lição
de educação política.
Estão
evidentes os sinais de que o ex-senador é movido por
ressentimentos profundos, detonados por uma série de
derrotas. Entende-se que alguém enraivecido tenha menos
controle de suas palavras: difícil cobrar coerência
de palavras guiadas pela raiva e pela frustração.
Natural
que, nesse contexto, falar mal de um governo do qual se participou
ativamente, e com o qual se rompeu por interesses pessoais
feridos, tenha a sua lógica.
Tentar
apresentar-se como cruzado da moralidade, apesar da biografia
comprometedora de alianças, por exemplo, com Collor,
também faz parte da regra do jogo.
A anatomia
da fraude torna-se, de fato, peculiar, porque, apesar de todas
essas evidências, ACM consegue administrar magistralmente
as informações, dando-lhes, quando quer e como
quer, ampla repercussão.
É
um didático processo de formação de opinião.
E funciona assim: a imprensa está habituada a considerar
seriamente o peso político do ex-senador e, em especial,
sua intuição. Afinal, ninguém fica tanto
tempo no poder sem motivo.
Portanto
o que ele fala é, em geral, notícia. O problema
é que, por conta desse princípio, mesmo que
não diga nada de importante, ACM também vira
notícia. Palavras suas meramente provocativas já
recebem amplo destaque. Os jornalistas não querem que
seus leitores se sintam desinformados de algo que, de uma
forma ou de outra, vai ser importante. Em essência,
porém, tudo isso não passa de uma fraude, vista
exemplarmente na semana passada.
ACM acusou
Fernando Henrique Cardoso de envolvimento em corrupção
e em caixa dois eleitoral. Talvez suas afirmações
até sejam verdadeiras, mas não foram apresentadas
provas. Algo que mereceria, portanto, um simples registro
ganhou destaque na mídia e virou notícia.
Virou
notícia porque, além de alguns analistas de
mercado terem atribuído à fúria de ACM
oscilações no dólar e alterações
na Bolsa, o presidente -para completar- ameaçou o ex-senador
com um processo. Dólar subir, Bolsa cair e um presidente
processar alguém são fatos que realmente merecem
destaque.
Cria-se,
assim, o seguinte dilema. Como todos -ou quase todos- levam
a sério as acusações, mesmo infundadas,
imaginando seu impacto, um factóide ganha ares de fato
e transforma-se em notícia. E passa a ser justificado
em nome da objetividade. Objetividade que se converteu em
cumplicidade.
A força
das acusações não deriva do seu conteúdo,
mas da aposta na sua repercussão. A imprensa fica,
então, refém de leviandades, apresentando-as
com destaque indevido.
A incoerência
desta coluna -e daí o seu título- é que,
ao fazer das acusações de ACM seu tema, acaba,
involuntariamente, dando-lhe importância e tomando parte
na fraude.
PS -O
principal fato da semana passada foi um contraste entre a
sociedade e o poder público. A população
está dando uma aula de civismo ao empenhar-se no racionamento
de energia elétrica para evitar o colapso -um colapso
que se explica, ainda que parcialmente, pela irresponsabilidade
seja do governo, em geral, seja do presidente, em particular.
À leviandade do poder público somam-se os candidatos,
a começar de Itamar Franco, que tentam aproveitar-se
da crise.
Fernando
Henrique Cardoso acusa Itamar, que acusa Fernando Henrique
Cardoso, ambos acusados por Lula. O país ganharia com
um racionamento de demagogia
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