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Semana de 10.09.01 a 16.09.01

 

Governo emancipa mulheres do interior de Pernambuco

Sem saber, o governo tem sido responsável pela emancipação de várias mulheres de uma cidadezinha, da Zona da Mata, chamada Vicência. Com o dinheiro do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti) - uma bolsa mensal de R$ 25 por criança de sete a 14 anos de idade -, as mães estão tomando coragem de se emancipar. De 1996 à 200, as separações e divórcios litigiosos triplicaram, os pedidos de pensão alimentícia dobraram e as ações de investigação de paternidade quituplicaram.

A 90 quilômetros de Recife (PE), Vicência tem o segundo maior grupo pernambucano de crianças inscritas no Peti: 1.548. Só perde para Petrolina, que tem uma população nove vezes maior. Os conselhos da merenda escolar, formado por mães e professoras, recebem R$ 2,7 diários por criança inscrita no Peti. O município é encarregado de pagar os professores e criar espaços para manter o aluno na escola por oito horas diárias. Galpões, garagens e antigas cocheiras dos engenhos são usados como sala de aula pelo município.

Até a prefeitura local é ocupado por uma mulher: Eva Andrade de Lima, reeleita no ano passado pelo PMDB. Ela se cercou de mulheres para dirigir o município e adotou o Peti como estandarte da luta feminista. Atribui ao programa o dom de libertar as mulheres de maridos violentos, infiéis, bêbados e farristas. A prefeita é a primeira a dizer que o Peti dá suporte financeiro para quem quer romper longos casamentos. Mesmo em condições precárias, as mulheres de Vicência não medem esforços para conquistar sua independência.

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O perfume do poder

 
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O perfume do poder

A trilha sulca canaviais, nesgas de floresta, bananais. Segue a ondulação das colinas de Vicência, município a 90 quilômetros do Recife. Um dia ensolarado fez minguar a lama da véspera. A circunstância favorece o passo miúdo de Rosa e Rosenilda. Partindo da casa de taipa no Engenho do Embu, as irmãs professoras levarão uma hora e meia para chegar ao trabalho, na escola do Sítio Taquari. Nos agostos chuvosos da Zona da Mata de Pernambuco, o tempo de caminhada pode duplicar. De uniforme azul, batom nos lábios, Rosa e Rosenilda, de 23 e 25 anos de idade, são andarilhas veteranas. Filhas de um plantador de banana, venceram cada noite do curso de magistério à custa de três a quatro horas de marcha por estradas desertas. "Ser professora era um sonho de criança", afirma Rosa. Ao fim de um sorriso, a irmã repete a justificativa. Ilustram, com suas biografias, a história de uma cidade de nome feminino, onde as mulheres costumam ofuscar os homens e ganharam asas graças às verbas federais do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti). Emanciparam-se economicamente e divorciam-se sem medo.

A prefeita Eva Andrade de Lima, reeleita no ano passado pelo PMDB, afirma que as personalidades aguerridas de Rosa e Rosenilda refletem um traço dominante da população feminina de Vicência. E usa a tese como símbolo e bandeira de governo. Traz pronta a lição de casa. Pediatra, entrou na política em 1989, como secretária de Saúde do marido prefeito. Ficou no cargo, mantida pelo sucessor. Eleita em 1996, transformou o companheiro num discreto auxiliar. O ex-prefeito comanda a Secretaria de Infra-Estrutura. Eva nomeou mulheres para chefiar quatro de cinco pastas municipais, além da Tesouraria. Dos 40 postos de trabalho existentes no prédio central da prefeitura, apenas 11 são ocupados por homens.

A principal vitrine do governo Eva é o Peti. O dinheiro do Planalto assegura uma bolsa mensal de R$ 25 por criança de 7 a 14 anos de idade. Os cheques são entregues às mães. Os conselhos da merenda escolar, formados por mães e professoras, recebem outros R$ 2,7 diários por menino ou menina inscrito no Peti. O recurso também vem de Brasília. Cabe ao município pagar os mestres e criar espaços para manter os alunos na escola em jornada de oito horas diárias. A prefeita se esmerou na tarefa. Tanto que 1.548 crianças da cidade são beneficiadas pela verba federal. É o segundo maior grupo do Estado - perde apenas para o de Petrolina, com população nove vezes maior.

Para dobrar o tempo de permanência das crianças nas acanhadas instalações rurais, a prefeitura de Vicência usa galpões, garagens e até antigas cocheiras dos engenhos. Nos espaços improvisados, os estudantes recebem reforço escolar, brincam, aprimoram-se no artesanato e aprendem música.

Diante do padrão de vida das famílias locais, o Peti é uma dádiva. Ainda assim, cada aprendiz anda descalço ou enfiado em chinelos de borracha. Cruza córregos, cercas e densos canaviais para chegar ao prédio escolar. Os cadernos ficam rotos e enlameados. A precariedade circunda o ambiente. Salas de 10 metros quadrados abrigam até 40 alunos. Na escola de Rosa e Rosenilda, um vaso sanitário serve a 160 crianças. Em plena era eletrônica, o mimeógrafo a álcool movido a manivela é o equipamento mais sofisticado à disposição do ensino.

Secundada por um batalhão de professoras e supervisoras, a prefeita colou no Peti o estandarte do feminismo. Atribui ao programa o dom de libertar as mulheres de maridos violentos, infiéis e farristas. Aponta mães que romperam longos casamentos assim que passaram a receber os cheques do governo. É o caso de Silvania Maria dos Santos Silva, com três filhos inscritos no projeto. Com 27 anos, ela reconhece que os R$ 75 mensais lhe garantiram suporte financeiro suficiente para dar fim ao casamento de nove anos.

Antes, Silvania trabalhava como doméstica. Ganhava R$ 70 mensais por até 12 horas de labuta por dia, sem folga remunerada. Dedica-se agora a cuidar da casa e das duas filhas, enquanto tenta conseguir um emprego mais bem remunerado. Não se arrepende da separação de José Guilherme da Silva Terceiro. "Ele ficava bêbado todos os dias." Silvania apanhava freqüentemente e vivia sob a ameaça de morte à faca. Para coroar o rompimento com a tradição machista da zona rural brasileira, casou-se novamente há seis meses. Severino, o novo marido, tem 19 anos. O ex-companheiro, 42.

As separações e divórcios litigiosos triplicaram no Fórum de Vicência entre 1996 e 2000. Dobraram os pedidos de pensão alimentícia e quintuplicaram as ações de investigação de paternidade. O auge do crescimento deu-se em 1998, ano em que o Peti foi adotado no município. A relação entre os dois fatos ainda é intuitiva. Falta um estudo mais detalhado sobre as demandas de família e sobram casos de separação que não chegam à esfera judicial, como o de Silvania.

Juiz de Vicência há oito anos, Milton Santana Lima Filho avalia que o dinheiro do programa teve papel complementar nas separações e litígios. Lima Filho define a mulher de Vicência como uma "guerreira, que busca direitos na Justiça e assume, sem embaraços, a liderança da família". Com cinco anos de experiência em comarcas do sertão de Pernambuco, o juiz arrisca uma comparação entre as comunidades do semi-árido e as da Zona da Mata. "As mulheres sertanejas submetem-se ao caráter destemido e independente do homem da caatinga", opina. Por isso, raramente a mulher busca a separação. "Na Zona da Mata, o homem pobre acostumou-se a render subserviência ao senhor de engenho", especula. "É um acomodado."

O discurso feminista certamente favorece a rotina de trabalho do juiz. Afinal, divide a cena com a promotora Selma Magda Pereira Barbosa e a chefe do Cartório, Maria Cristina. Selma costuma dizer que as mulheres de Vicência não apanham duas vezes. Maria Cristina, de 34 anos, acaba de entrar na faculdade de Direito e comanda a burocracia do Fórum.

A onda feminista operou uma revisão da própria história do município. Vicência Barbosa de Melo, a fundadora, era uma mulher só. Sua residência, no século XVIII, foi a primeira construção do povoado. A prefeita Eva diz que, até recentemente, a versão predominante na cidade apontava a casa de "sá" Vicência como sede de um bordel. A própria dona era uma prostituta. "Fomos pesquisar e concluímos que estávamos diante de mais um preconceito", redime-se a prefeita. A história oficial reza agora que "sá" Vicência foi uma empresária ousada do ramo hoteleiro. Graças a ela, tropeiros e comerciantes passaram a ter pouso e comida na estrada de Carpina para Aliança. A caftina que se transmudou em empreendedora tornou-se, assim, precursora da cidade que se orgulha de gerar mulheres fortes, herdeiras de seu espírito guerreiro.


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