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17/09/2010 - 16h11

Estante GLS: Lésbicas são condenadas à paródia, diz filósofa francesa

da Livraria da Folha

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Francesa Stéphanie Arc, autora de "As Lésbicas"
Francesa Stéphanie Arc, autora de "As Lésbicas - Mitos e Verdades"

O estupro é uma das principais causas de homossexualidade feminina? Será que alguém se torna lésbica por ter sofrido violência sexual durante a infância, ou mesmo na vida adulta? O questionamento é feito pela filósofa e jornalista francesa Stéphanie Arc no seu livro "As Lésbicas - Mitos e Verdades".

Ela responde: "É verdade que as mulheres que foram agredidas dão frequentemente prova de ter medo dos homens. Mas nem por isso desejam outras mulheres. Mesmo que elas fujam de relacionamentos com homens, nem de perto isso indica a presença de um desejo homossexual, pois as situações de esquiva são possíveis, e até mesmo frequentes, depois de uma agressão. As dificuldades não são poucas, e geralmente é preciso tempo para vencê-las."

Membro da associação SOS Homofobia, ela dedica parte de suas pesquisas à lesbofobia e às representações da homossexualidade feminina na sociedade ocidental. Com seus escritos e intervenções, participa na França e no exterior (Alemanha e Bélgica) da luta contra a homofobia e a discriminação.

Para a estudiosa, as lésbicas ainda sofrem muitos estigmas e são condenadas à paródia.

Leia um trecho de "As Lésbicas" - Mitos e Verdades.

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Livro é indicado a lésbicas, feministas e estudiosos de gênero
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Quer quando as chamamos de "fanchonas" ou de "caminhoneiras", encaramos as lésbicas como meninos frustrados, e as imaginamos empoleiradas em cima de uma moto ou debruçadas sobre o motor de um carro. Se os gueis são cabeleireiros, as lésbicas escolheriam profissões masculinas: atividades arriscadas ou trabalhos técnicos. E essas atividades, assim como as características que atribuímos a elas, seriam indícios de sua personalidade masculina. Resumindo, elas teriam mais afinidade com os homens do que com as mulheres: além de sentir desejo pelo sexo frágil, elas compartilhariam com os homens o temperamento e o modo de pensar.

Essa ideia preconcebida estigmatiza as lésbicas, excluindo-as da categoria "mulher", a pretexto de sua sexualidade. Mas não as inclui na categoria "homem": ela as condena a ser tão somente sub-homens, julgando ridícula sua pretensão aos atributos e funções masculinas. Assim, as lésbicas são condenadas à paródia. Por quê? Para o sociólogo Daniel Welzer-Lang, a sociedade exerce uma forma de discriminação das pessoas às quais atribuímos qualidades -ou defeitos- reconhecidas ao outro sexo (La perus de l'autre en soi [O medo do outro em si], 1994). E ainda hoje ela fustiga aquelas e aquelas que, apesar de não serem homossexuais, não se enquadram nas representações estereotipadas do gênero: os homens - de Marte - devem supostamente ambicionar o poder e valorizar a competitividade, não demonstrar fraqueza nem sensibilidade; as mulheres - de Vênus - em tese privilegiam o amor, a beleza e a comunicação. Elas são sensíveis e amáveis.

Ao naturalizar qualidades psicológicas que na verdade são o quinhão particular, mas que muitas pessoas não ousam expressar, a sociedade justifica a atribuição de papéis em função do sexo e, sobretudo, sua hierarquização. Essas ideologias que pregam a superioridade de um gênero sobre outro (sexismo) e de uma orientação sexual sobre outra (heterossexismo) dão sustentação ao sistema social e organizam o controle dos gêneros. Mesmo que as lutas feministas tenham permitido sacudir essa dominação, que oprime tanto homens quanto mulheres, heterossexuais e homossexuais, ainda é malvisto abandonar as fileiras.

Mas o preconceito não provém só dessa vigilância social. Ele está enraizado na própria construção da identidade homossexual e na ideia de que as lésbicas são "invertidas". Com efeito, a maior parte das sociedades considera que existem dois sexos - e somente dois. E essa diferença biológica implica que o homem e a mulher tenham qualidades e uma sexualidade complementares. Uma mulher é uma mulher porque tem corpo de mulher (incluindo os cromossomos), qualidades femininas e sente desejo por homens. Ao contrário, os que sentem desejo por mulheres são homens ou...parecem ser. E esse é justamente o caso das lésbicas. Pelo menos para as teorias médicas do final do século XIX, baseadas nesse princípio.

Para os médicos, em especial Magnus Hirschfeld (1868-1935), a ideia de que os homossexuais tenham um instinto sexual invertido não basta para explicar sua "patologia". Além disso, eles consideram que toda pessoa homossexual é dotada de traços do outro sexo. Ela pertence a um terceiro sexo, espécie de mistura de dois primeiros, que se situa entre tipos ideais: os homens e as mulheres "absolutos". Estes se distinguem não apenas por uma anatomia sem ambivalência (características sexuais primárias e secundárias coerentes), mas também por uma "masculinidade" ou uma "feminilidade" perfeitas.

Toda ambiguidade física ou moral é então interpretada como sintoma de homossexualidade, e sua presença permite distinguir os invertidos "congênitos" dos "ocasionais". Assim, mede-se o lesbianismo segundo o parâmetro da masculinidade. No final do século XIX, o psiquiatra alemão Krafft-Ebing (1840-1902) chegou inclusive a elaborar uma escala de avaliação: o primeiro designava as mulheres cuja homossexualidade não é detectada, mas correspondem às investidas de lésbicas; o segundo se referia às mulheres que preferem usar roupas masculinas; o terceiro, às que queriam ser homens; o quarto e último definia aquelas cujos órgãos genitais eram o único atributo feminino -quanto ao restante (modo de pensar, sentimentos, ações e aparência), elas foram homens (Psychopathia sexualis, 1886).

Fazendo eco a essas pseudoexplicações, em 1928 foi publicado na Inglaterra um dos mais famosos romances lésbicos, "O poço da solidão". Nele, a autora Marguerite Radclyffe-Hall põe em cena Stephen Gordon, uma jovem cuja masculinidade emerge como leitmotiv. Desde a mais tenra infância, Stephen sobe em árvoras, luta com os colegas e detesta vestidos. A idade adulta não muda nada. Ela declara sem meias-palavras que deve ser um rapaz, pois se sente "exatamente como se fosse um". E ela deseja mulheres e gosta delas. De imediato, o romance teve forte repercussão: um mês depois de ser publicado, a imprensa inglesa reagiu indignada. Abriu-se um processo contra o livro, que foi proibido na Inglaterra. Mas a autora se transformou na primeira lésbica alvo da mídia: nos Estados Unidos, sua obra se tornou um best-seller...

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"As Lésbicas" - Mitos e Verdades"
Autora: Stéphanie Arc
Editora: Edições GLS
Páginas: 136
Quanto: R$ 31,00
Onde comprar: 0800-140090 ou na Livraria da Folha

 
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