'Não tenho saudade do Tietê limpo; conheci ele assim', diz diretor de cinema

Paulo Sacramento tem fixação pelo rio Tietê. Não entende como a população (e o cinema nacional) renega um elemento tão presente na cidade. Poucos filmes o colocaram na tela. Paulo se lembra de um deles: "Cidade Oculta" (1986), de Chico Botelho.

Em "Riocorrente", que estreia em 5 de junho, o cineasta quis mudar esse cenário. Voltou a câmera para "as águas escuras e mortas" que abraçam a cidade. No filme, as locações têm papel tão importante quanto os personagens —um ladrão de carros, um intelectual, uma mulher apaixonada por arte e uma criança abandonada.

A metrópole de Sacramento é tensa, volátil como um tanque de combustível à espera da faísca. "São Paulo me provoca, você tem que ficar ligado, não é uma cidade para ficar flanando num outro mundo", diz o diretor de 43 anos, também autor do premiado documentário "O Prisioneiro da Grade de Ferro" (2003).

Renato Canton/Folhapress
"Não tenho saudade do Tietê limpo; conheci ele assim", diz diretor Paulo Sacramento
"Não tenho saudade do Tietê limpo; conheci ele assim", diz diretor Paulo Sacramento

sãopaulo - A tensão retratada em "Riocorrente" é como você vê São Paulo?
Paulo Sacramento - Sim, é uma cidade que há 40 anos me provoca, e eu vou digerindo essas informações que não param de chegar. Você tem que estar ligado aqui, não é possível ficar flanando num outro mundo.

As locações do filme passam longe de cartões-postais...
Escolhi lugares que evocam sentimentos. Por exemplo, pouquíssimos filmes registraram o Tietê. A gente renega o rio. Para mim, era fundamental ter o rio. Sempre pensei nele ali parado, meio morto, escuro, de águas pretas. Não tenho nostalgia de quando ele era mais limpo. Já conheci o Tietê desse jeito, com os mesmos problemas.

É complicado filmar cenas nas ruas?
Muito. O filme inteiro foi realizado fora de estúdios. Além do esforço de deslocamento, muitas coisas a gente filmou de maneira semidocumental: não queria interferir no cenário, esvaziar a rua e tornar aquilo um set de filmagem. Deixei pessoas circulando no fundo das cenas. Numa delas, rodada no calçadão próximo ao CCBB, nós filmamos sem avisar ninguém. Dá para ver a tensão na cara das pessoas.

Por onde você gosta de andar?
Como morei por 30 anos na avenida Angélica, gostava de frequentar o centro. Acompanhava meu pai num alfaiate aos sábados. Depois, passei a frequentar a Galeria do Rock e lojas de quadrinhos na avenida São João. Até ir morar na Vila Madalena. Não sou nostálgico, mas vejo que muitas coisas estão desaparecendo: não há mais cinemas de rua, salões de sinuca, os sebos estão diminuindo, os parque de diversões... É uma São Paulo que vai deixando de existir.

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