Poluentes no ar de SP superam níveis recomendados pela OMS

Em ano de Copa, uma analogia possível para definir o ar respirado em São Paulo é a de que ele não ganharia o selo de "padrão Fifa".

O paulistano deve dar mais atenção ao ar a partir do dia 21 deste mês, quando começa o inverno. A estação é marcada pela maior concentração de poluentes na atmosfera, pois há menos chuvas e ventos.

A qualidade do que os pulmões dos moradores da metrópole recebem não é das melhores.

No dia 7 do mês passado, a OMS (Organização Mundial de Saúde) e a Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo) divulgaram que níveis de poluição na cidade superam padrões recomendados como mais seguros para o ser humano.

O cenário em São Paulo não se compara a Nova Déli ou a Pequim. Mas há muito o que fazer, como o cumprimento de medidas previstas em lei, que estão atrasadas.

Na lista da OMS, a capital paulista aparece entre as centenas de cidades do mundo com índices acima do sugerido. A entidade, ligada à ONU (Organização das Nações Unidas), baseia-se em limites estabelecidos por ela própria em 2005.

À época, definiu-se que seria aconselhável a população ter contato com a concentração de partículas inaláveis, espécie de poeiras: até 20µg/m³ (microgramas por metro cúbico) de ar, em média, por ano.

O índice atribuído pela OMS à capital foi de 35 µg/m³, referente a medições de 2012. Ou seja, quase o dobro do limite.

Essas partículas são conhecidas pela sigla MP10 e resultam principalmente do processo de combustão de veículos. De diâmetro inferior a um fio de cabelo, circulam no ar e, ao serem inaladas, param no pulmão.

O médico Paulo Saldiva, pesquisador do Laboratório de Poluição Atmosférica da Faculdade de Medicina da USP, diz que se trata do poluente mais associado à redução de expectativa de vida e ao surgimento de doenças, como o câncer.

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A Cetesb, agência do governo responsável por monitorar o ar no Estado, acompanha os índices de outros poluentes. De forma geral, os níveis são menores em comparação aos vistos na década de 1990.

De lá para cá, indústrias abandonaram a capital, a qualidade dos combustíveis foi aperfeiçoada, programas impuseram regras de controle para a emissão de veículos em poluentes e motoristas passaram a ter de seguir o rodízio de placas.

As reduções, entretanto, foram limitadas. Hoje, a cidade atende aos limites de emissões recomendados pela OMS quando o assunto são os gases monóxido de carbono e dióxido de enxofre. No caso de partículas e do gás ozônio, os dois tipos de poluentes considerados mais problemáticos para a saúde, não é bem assim.

"As pessoas convivem nesse ambiente e desenvolvem doenças de forma lenta e progressiva", afirma o pneumologista Oliver Nascimento, da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo). "É como ter colesterol alto. Ninguém sofre um infarto de um dia para o outro. Isso acontece após anos e anos de exposição."

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As ideias e os planos dos governos estadual e municipal para deixar o ar um pouco melhor progridem a passos curtos.

Em abril do ano passado, o Estado estipulou em um decreto padrões de qualidade do ar com valores superiores aos recomendados pela OMS. Trata-se de metas para serem alcançadas em três fases.

"Não se chega do zero ao cem de uma vez'", afirma o gerente do Departamento de Qualidade Ambiental da Cetesb, Carlos Komatsu. "Vou tirar metade dos veículos de circulação? Isso é inviável. Tem de pensar em metas progressivas de acordo com as suas possibilidades."

Agora, vigoram as metas da primeira fase. E parte delas, referentes a concentrações de partículas e de gases de ozônio, são descumpridas.

A agência deveria ter concluído, neste ano, um plano de redução de emissões para o Estado.

"Tínhamos o prazo de abril, para o qual a gente está meio inadimplente. Deve sair em 2014 ainda", diz Komatsu. "Temos propostas, só que não podemos divulgá-las."

Por enquanto, o gerente da Cetesb não se arrisca a estimar quantos anos levarão para ultrapassar as três fases previstas no decreto e, por fim, atingir os valores da OMS.

"Ninguém no mundo, entre as grandes metrópoles, conseguiu chegar a esses níveis até o momento."

O expressivo aumento da frota de veículos na capital é um dos principais entraves para limpar o ar na capital, segundo a Cetesb.

MUNICIPAL

Uma lei de 2009 estabeleceu a Política de Mudança do Clima, incluindo estratégias para tentar conter a poluição atmosférica.

Pelas regras, o volume de gases lançados no ar teria de ser reduzido em 30%, em relação a 2005. A meta deveria ter sido cumprida até 2012, último ano da gestão de Gilberto Kassab (PSD).

Outras medidas previstas na política eram a criação da inspeção veicular, a adoção de melhorias no transporte público e o uso de combustíveis mais limpos nos coletivos.

O mandato de Kassab chegou ao fim, e a meta não foi cumprida. As emissões cresceram 9%.

"Reduzir 30% em três anos? Nem a Alemanha faz isso. A meta era para puxar para a frente", diz Eduardo Jorge, secretário municipal do Verde e do Meio Ambiente de 2006 a 2012 e, hoje, pré-candidato à Presidência da República pelo PV.

Jorge diz que decisões do Planalto minaram os esforços da prefeitura. "O governo federal subsidiou a gasolina, estrangulando o etanol, e estimulou a compra de carros e motos."

Segundo ele, a gestão da qual fez parte obteve a captação de 12% das emissões de metano em aterros. E, em vez de utilizar esse valor para abater a meta, negociou o volume em forma de leilões de créditos de carbono, arrecadando R$ 71 milhões.

"O dinheiro foi utilizado na ampliação de áreas verdes, na urbanização de favelas e na recuperação de praças", afirma Jorge.

Apesar de não alcançar a meta, o ex-secretário defende que houve avanços na Política de Mudança do Clima. Inclui nessa lista o programa de inspeção veicular e o início do abastecimento de 60 ônibus com etanol e de outros 1.200 com B20 (combustível com acréscimo de 20% de biodiesel).

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Na atual gestão, do prefeito Fernando Haddad (PT), há sinais de que o cumprimento da lei avança lentamente. De um lado, a criação das faixas exclusivas para ônibus foi acelerada, ultrapassando os 332 km.

Do outro, o B20 sumiu do tanque dos coletivos e uma nova meta de corte de gases ainda não foi definida, como manda a lei. O Comitê de Mudança do Clima, que deveria discutir a execução de pontos da política municipal, não se reúne desde dezembro de 2012.

Por fim, a prefeitura suspendeu a inspeção veicular a partir de fevereiro deste ano, com o argumento de que havia irregularidades no contrato com a empresa responsável pelo serviço.

O edital do processo de licitação para retomar o serviço está igualmente suspenso, por ordem do TCM (Tribunal de Contas do Município). E, quando voltar, o programa terá novas regras, como a dispensa de veículos com até três anos de uso.

O secretário municipal do Verde e do Meio Ambiente, Wanderley Meira do Nascimento, não atendeu ao pedido de entrevista da sãopaulo, feito no último dia 21, para comentar quais são as ações desenvolvidas para reduzir a emissão de poluentes.

Na quinta-feira (29), a assessoria de imprensa da secretaria informou, em nota, que entre as principais metas da prefeitura está o plantio de 1 milhão de árvores, até 2016, a criação de 160 parques e projetos de educação ambiental.

A secretaria declarou ter reativado o Comitê de Mudança do Clima. Quanto ao programa de inspeção veicular, disse que prestará os esclarecimentos solicitados pelo TCM, com "a expectativa de de que o calendário 2014 seja cumprido".

Assim como outros problemas que afetam a qualidade de vida na cidade, a busca por ar com o padrão recomendo pela OMS é condicionada a mudanças no modo que os paulistanos se locomovem no dia a dia.

"A única solução é o investimento consistente em um transporte coletivo tão bom que motive as pessoas a deixarem o carro em casa", afirma o médico Paulo Saldiva.

"Precisa criar mobilidade", acrescenta Carlos Ibsen Lacava, gerente do Departamento de Apoio Operacional da Cetesb. "Os veículos têm de se deslocar sem uma emissão tão alta. Não faz sentido passar três horas para ir ao trabalho e outras três para voltar. Gastamos muito combustível."

A estimativa mais recente da OMS, divulgada em março deste ano, é que 7 milhões de pessoas morreram no mundo, em 2012, vítimas de doenças provocadas pela poluição.

"A poluição reproduz o que o cigarro faz, em menor escala", ressalta Saldiva. "Mas o cigarro eu decido se acendo ou não."

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