Copa sem juiz reúne manifestantes para jogar futebol e discutir política

O campeonato é amador, mas não tem time dos sem-camisa. Em compensação, tem dos sem-teto, dos sem-direitos e dos sem-transporte. É a Copa Rebelde: uma disputa em que integrantes de movimentos sociais se reúnem para jogar futebol, falar de política e protestar.

Entre os 32 times na disputa estão MPL (Movimento Passe Livre), FLM (Frente de Luta por Moradia), Marcha das Vadias, Marcha da Maconha, rádio comunitária Várzea, coletivo de mulheres ciclistas Vá de Dyke! (gíria em inglês para lésbica) e Comissão Guarany, de indígenas. Quem organiza é o Comitê Popular da Copa, o mesmo que convocou os protestos contra os gastos com o Mundial da Fifa.

"Aqui estão as pessoas que ficam de fora, que não foram convidadas para ver no Itaquerão. Quem é reprimido pela PM quando chega perto do estádio", diz a jornalista Larissa Viana, 30, do comitê.

Enquanto esperam para jogar, ativistas exibem cartazes pela desmilitarização da polícia e contra o lucro de empreiteiras e a mercantilização do corpo da mulher.

Mas todos querem deixar claro que não têm nada contra o esporte bretão. "Com futebol dá para fazer política na esquerda ou na direita, dá para alienar e criar ódio ou para agregar e politizar", diz Danilo Cajazeira, 31, professor e membro do comitê.

Os jogos não têm juiz: eventuais discordâncias devem ser negociadas entre os times. O site do evento avisa: "Brigas, agressões e excesso de competitividade não serão tolerados, e os responsáveis por qualquer confusão serão convidados a se retirar do campeonato".

As duas primeiras edições ocorreram em dezembro de 2013 e em abril deste ano, em um campinho na Luz. O time Amigos da Barão, de moradores do entorno, ganhou as duas. A terceira começará no dia 6 de julho, em local a ser definido.

Os participantes ficaram tão empolgados que o evento já gerou um filhote: a Copa Rebelde edição do Moinho, organizada na favela da região central pela Associação Moinho Vivo. A reportagem acompanhou o primeiro jogo dessa minicopa do Moinho, em 11 de junho, um dia antes da abertura do campeonato da Fifa.

A pelada teve presença de dezenas jovens de fora da favela e de uma dúzia de fotógrafos e cinegrafistas.

Localizada na região central, a comunidade está acostumada com a presença de ativistas. É o que explica o jardineiro Ivanildo Francisco da Silva, 50, que mora há nove anos na favela e já perdeu tudo duas vezes em incêndios.

"Adorei a ideia, só não vou jogar hoje porque estou com dor nas costas", completa, enquanto assiste ao Rosanegra (cinco homens e uma mulher vestidos de rosa) contra o time da casa, com moradores do Moinho.

FORA DO CAMPO

Na frente do campo, religiosos da Aliança da Misericórdia, movimento da Igreja Católica, aproveitam a muvuca para convidar o povo para uma reunião na capela da favela. O placar de convertidos neste dia beira zero.

Já o representante da Defensoria Pública do Estado, ali ao lado, é um verdadeiro Felipão na capacidade de organizar pessoas. Um dos coordenadores do Movimento de População de Rua, Átila Pinheiro, 51, conta a ele que já foi viciado em crack e morou na rua durante mais de vinte anos. Atualmente vive em uma ocupação.

Átila narra aos membros da Defensoria como foi a reunião do secretário municipal de Direitos Humanos, Rogério Sottili, com representantes da população de rua. "Alguém o chamou de fascista. Ele ficou bravo e foi embora! Nem terminou a discussão."

O ouvidor da defensoria Alderon Pereira da Costa, 52, escuta com atenção. Ele foi ao jogo para apresentar os defensores Peter Gabriel Molinari Schweikert, 24, e Davi Quintanilha Failde de Azevedo, 24, aos integrantes dos movimentos.

Os três levam panfletos com artigos da Constituição que explicam os direitos das pessoas durante manifestações, mas não têm a intenção de formar um time.

"Até jogaria, mas viemos com a roupa errada para isso", diz Davi. Sua calça social e o paletó pendurado no braço destoam das camisetas das Mães de Maio e da Fanfarra do M.A.L. (Movimento Autônomo Libertário) que circulam pelo local.

Antes de assistir ao sarau e à apresentação de grupos de rap que costumam acontecer no primeiro dia de jogos, alguns dos presentes contam que vão, sim, assistir às partidas do Mundial, mesmo sendo contra a Fifa e os gastos com a Copa.

"Mas vou torcer para o Uruguai, porque a sociedade lá está conquistando coisas avançadas e por causa do [presidente esquerdista José] Mujica", diz a ativista e professora de educação física Nikita, 41, que não revela o nome real.

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