É preciso recuperar o papel da guarda, diz nova chefe de segurança da USP

Com 20 anos de pesquisa no Núcleo de Violência da USP, a antropóloga Ana Lúcia Pastore Schritzmeyer, 50, foi pega de surpresa ao ser escolhida para assumir a chefia da segurança da USP.

Indicada em abril pelo reitor Marco Antônio Zago, ela substitui o coronel aposentado Luiz de Castro Júnior, cuja gestão foi marcada por polêmicas como a da PM no campus.

A professora diz que pretende recuperar o papel da guarda e aumentar o diálogo —desde incluir a comunidade nas decisões até ter uma relação melhor com a PM. "Indicar uma mulher, da área de humanidades, é criar expectativa de uma abordagem que pense a segurança além da repressão e do controle", diz.

Felipe Gabriel/FolhaPress
Ana Lucia Pastore, nova chefe de pela segurança da USP, é antropóloga do Núcleo de Estudos da Violência
Ana Lucia Pastore, nova chefe de segurança da USP, é antropóloga do Núcleo de Estudos da Violência

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sãopaulo – O que significa uma antropóloga assumir um lugar que antes estava sendo ocupado por um coronel?
Ana Lúcia Pastore – O significado disso é ter uma outra concepção do que é segurança. Uma visão muita mais humanística, interdisciplinar. Indicar uma mulher, da área de humanidades, é criar expectativa de uma abordagem que pense a segurança além da repressão e do controle e alcance questões ligadas à convivência, a um pacto de como viver da melhor maneira possível com a heterogeneidade que é típica de qualquer universidade.

Que mudanças pretende fazer?
São duas mudanças que se complementam. Uma delas é de ordem interna: como a superintendência deve funcionar. Quanto à Guarda Universitária, por exemplo, vamos rever sua função, que não só é a de proteger o patrimônio. A própria Guarda Universitária já expressou um anseio de recuperar seu papel – que vai desde a informação até um apoio rápido em caso de outra necessidade. É uma guarda que tenha articulação com várias outras instituições do campus, como o Hospital Universitário e as unidades. Também é preciso ouvir a comunidade: o que esperam as pessoas que estudam, trabalham e circulam no campus, inclusive aquelas que não fazem parte da comunidade universitária, como os ciclistas e os corredores.

Como evitar assaltos como o que ocorreu no começo deste mês ?
Após o assalto, diferentemente do que vinha acontecendo na gestão passada, a superintendência ouviu algumas das vítimas, contatou o diretor da Poli, o responsável pelo Grêmio e está trocando informações com as polícias Civil e Científica para localizar os suspeitos. Paralelamente, prosseguem estudos relativos à implantação de monitoramento eletrônico em áreas de uso comum no campus para produzir imagens de qualidade suficiente para, em casos como esses, haver ações mais imediatas e eficazes da Guarda Universitária e, se necessário, da Polícia Militar.

O que acha da PM no campus?
A própria PM não tem nem disposição nem efetivo para estar aqui o tempo todo. Ela tem outras prioridades. O batalhão responsável por essa área é responsável por uma área imensa de São Paulo, que vai do Campo Limpo ao Perus. O campus faz parte da cidade e há zonas muito mais problemáticas. Então cabe à própria USP uma forma de garantir melhor a segurança. Temos uma base móvel que geralmente está ali no HU, porque chegam pessoas baleadas, esfaqueadas, e é preciso dar um atendimento que compete à polícia. Temos duas motos circulando, porque a guarda não tem competência para algumas coisas. Mas a relação [com a PM] pode também ser boa, construída de maneira positiva até para que sirva de modelo. Porque a polícia que se deseja aqui não é diferente da que se deseja na cidade como um todo. Se quer uma polícia que possa atuar dentro do que a lei lhe permite nas situações que a ela compete. Fora disso, uma batida indevida, prisões indevidas, nós não queremos nem aqui nem em lugar nenhum. Nós não queremos privilégios dentro do campus.

Quais os principais problemas de segurança na cidade universitária?
Há problemas graves no que diz respeito ao patrimônio. Há furtos e roubos em grande quantidade, especialmente nos dias de festas. Há também furto de equipamentos nas unidades. E há problemas de violência contra a mulher. Já houve casos de estupro, de violência sexual... Infelizmente, esses casos não são necessariamente registrados porque muitas vezes envolvem colegas.

O que está sendo feito com relação a isso?
Estamos tentando trabalhar isso de forma integrada com o núcleo de direito. Vamos tentar mapear e dar um suporte melhor para quem se sente vulnerável. Estamos pensando em instalar totens nos pontos de ônibus para acionar a guarda. Um tema delicado que deve ser enfrentado é a questão do monitoramento eletrônico nas áreas comuns: portarias, bolsões de estacionamento. Não faz sentido hoje em dia colocar vigias em cada esquina, de pé, madrugada a fora, vigiando carros. Isso é até desumano do ponto de vista da exposição que a pessoa sofre. Para isso se tem monitoramento eletrônico, que nada vai interferir na vida acadêmica, mas que ajuda a mapear questões que vão além da segurança mais ligada à criminalidade, como, por exemplo, o trânsito.

A USP deve se fechar para o público?
A universidade tem que ser um espaço de acolhimento para além das atividades acadêmicas, mas não para qualquer atividade extra-acadêmica. Acho fundamental que haja espaços de convivência para que não só os estudantes, mas docentes, funcionários e pessoas que vêm de fora visitar o campus, se encontrem, conversem e se divirtam. Muitas universidades mundo afora têm centros de vivências, de serviços, lojas, farmácias, restaurantes, livrarias. Nós somos muito carentes disso. [A universidade] tem que ser minimamente acolhedora e oferecer outras atividades que não só o trabalho. Mas há um limite para isso. Já houve danos a pesquisas por pessoas virem brincar de abrir as comportas do lago do Instituto de Biologia. A USP não é um parque, há limites para o quanto deve se abrir. Mas ela é um pouco inóspita atualmente, faltam espaços de convivência e isso precisa ser revisto.

Festas devem ser proibidas?
Festas são um grande problema para a segurança porque, às vezes, ultrapassam duas mil pessoas, o que cria uma situação insustentável. Acontecem coisas que a guarda não tem a menor condição de acatar. Em um lugar em que temos muitos equipamentos voltados para pesquisa. O efetivo da guarda não muda em dia de festa, até porque as maiores não são autorizadas, não seguem um protocolo de segurança. Mas a decisão não pode ser simplesmente de cima para baixo. Não acho que devemos proibir, mas ouvir o que os centros acadêmicos estão dispostos a fazer dentro de alguns limites e chegar a uma solução que talvez seja uma gestão dessas festas de modo que elas não coloquem ninguém em risco.

Como o corte orçamentário na universidade afeta a Superintendência de Segurança?
Até o momento, embora o corte tenha atingido todas as unidades, o valor que temos para trabalhar esse ano cobre as nossas demandas. Mas, além disso, há, da parte da reitoria, uma sensibilidade especial para qualquer questão que envolve o bem estar das pessoas.

A Folha publicou recentemente o caso de uma garota que foi assaltada na saída de uma festa. O namorado conseguiu imobilizar o ladrão, mas outros alunos obrigaram o rapaz a soltá-lo para que ele não sofresse 'abusos'. Ficou sabendo desse caso?
Sim. Eu vi com preocupação. Precisa ser feito um novo pacto sobre a quem e em quais situações compete tomar certas decisões. Se alguém é pego em flagrante, cometendo um delito, a princípio qualquer pessoa pode conter essa pessoa e até mesmo levá-la para a delegacia. É claro que, acontecendo isso, não vindo de pronto a guarda ou a polícia, fica à merce dos cidadãos o que fazer. O que não pode é existir essa sensação que as pessoas estão ao Deus-dará e que vão ter que resolver com as próprias mãos. Nós temos que ter uma Guarda Universitária que esteja preparada para dar apoio imediato e decidir se compete conduzir a ocorrência à polícia ou não.

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