Conheça o crossfit, treino militar que é moda e está em 150 academias de SP

O advogado Caio Müller sai do trabalho ansioso. Sabe que vai ouvir gritos, suar e acordar com algum músculo dolorido no dia seguinte. "É o melhor momento do meu dia", diz o paulistano de 32 anos que é adepto da modalidade de exercício da moda, o crossfit.

O nome é o casamento de "cross", que significa "cruzar, ultrapassar", com "fit", ou "em forma". A aula de ginástica que nasceu na década de 1990 nos EUA se popularizou em São Paulo nos últimos três anos, e neste verão conta com cerca de 150 locais para a prática.

O segredo do crescimento é a promessa de uma atividade menos monótona que a academia, que dá um desempenho físico de atleta e o corpo de um modelo em menos de uma hora diária. "O aluno do crossfit é o paulistano, que não tem tempo para nada e quer um resultado mais rápido num menor espaço de tempo", diz Marcio Scomparim, coordenador da Les Cinq, ginásio de luxo nos Jardins.

Enquanto a musculação isola o movimento de um músculo para o fortalecer, o crossfit trabalha vários grupos de músculo ao mesmo tempo, com exercícios como pular corda e levantar barras com peso sobre a cabeça, quase sem intervalo.

"Com musculação, você fica durão, inchado. No crosssfit, fica mais seco e com mais mobilidade", diz o administrador Guilherme Pinho, 24, mostrando como agacha até a parte interna da coxa tocar o chão.

Pelo preparo que consideram completo, equipes de polícia e do Exército elegeram a modalidade seu exercício oficial. O espírito espartano está até nas roupas dos praticantes, que usam camisetas com frases como "Nunca ninguém se afogou no próprio suor" e "Não se preocupe, você vai desmaiar antes de morrer".

Mas o clima foi mais de amor do que de guerra nas aulas que a sãopaulo frequentou. "Muita gente só malha para se olhar no espelho, é individualista", diz a nutricionista Carla Bartels, 42, dois filhos e uma barriga com mais gomos do que uma mexerica. Ela não era adepta dos halteres e preferia correr na rua.

Até que, há um ano, se encontrou com o crossfit. "Aqui tem um clima de turma, como nos clubes", diz ela, apontando para o grupo reunido às 7h30 do sábado (29) no parque do Povo, no Itaim Bibi.

Colega deles, o engenheiro Brenno Versolarro, 32, afirma que é mais fácil ser assíduo na prática do momento. "Minha turma tem um grupo de Whatsapp em que a gente se incentiva", diz ele, inscrito no último horário da Reebok do shopping Cidade Jardim, chamado de Proibidão por ter como trilha funks cariocas.

A procura faz com que academias se expandam. A Box 79, em Pinheiros, muda-se nesta semana.

Arte revista

Menos de um ano depois de ser aberta, migra para um espaço com o dobro do tamanho na avenida Faria Lima. "Cerca de 70% da procura vem de gente entediada com academia", diz o sócio Vander Rodrigo Ribeiro.

Alguns adeptos pensam que a troca é uma questão de evolução. "É o futuro do exercício, quem não faz vai ficar para trás. Acho que uma hora todo mundo vai fazer isso", diz o economista Mário Sá, 32.

Por mais que use elementos simples, como cordas e barras, o exercício não é barato. Mensalidades ficam entre R$ 250 e R$ 400. Parte do preço é para royalties. Como crossfit é uma marca, quem usa esse nome precisa pagar direitos de uso para uma empresa americana que a patenteou. A associação lista 116 afiliados no Brasil, 12 deles na cidade de São Paulo —profissionais dizem que academias usam o nome sem a autorização.

O treinamento oficial para professores é dado por essa mesma empresa. As turmas até janeiro estão esgotadas. O curso dura 16 horas e, nos EUA, qualquer maior de 17 anos pode se credenciar e, em dois dias, estar apto a dar aula. Já no Brasil, é preciso ter diploma de ensino superior em algum curso ligado a esporte.

Além de treinar o bíceps, quem aderir à aula vai exercitar também a língua, já que a terminologia do esporte é em inglês. O treino do dia é WOD ("work out of the day"). As locações onde o crossfit faz molhar a camiseta são chamadas de "box".

QUEM PODE FAZER

Mas o crossfit é para qualquer um? Não há um consenso.

"É uma atividade física intensa, indicada somente para pessoas que já tenham um bom preparo físico", diz o diretor da Sociedade Brasileira de Personal Trainers, Marcos Tadeu.

"Por ser uma modalidade que utiliza uma série de movimentos de alta intensidade e com graus de exigência muito variados, não é uma atividade segura para todo e qualquer praticante", diz Marcelo Ferreira Miranda, membro do Conselho Federal de Educação Física. O Confef não recomenda a prática a pessoas sedentárias nem a quem já teve lesões graves de ossos e de músculos, ou nasceu com desvios posturais significativos.

O médico Jomar Souza, da Sociedade Brasileira de Medicina do Exercício e do Esporte, aponta que a variação de exercícios é extremamente benéfica, mas alguns tipos de doenças cardiovasculares e endócrinas podem contraindicar a prática. Ele sugere uma consulta médica antes de se aventurar.

"Podemos dizer que não existe exercício perigoso desde que respeitadas as características individuais", afirma Souza. "Um dito popular já diz que a diferença entre o remédio e o veneno está na dose."

Uma palavra que passou a ser atrelada ao crossfit (geralmente por quem é contra a prática) é rabdomiólise, uma lesão das fibras musculares, cujo conteúdo vai para o sangue e compromete o rim.

De fato, isso pode acontecer. Mas não só em praticantes do crossfit. "Podemos citar a musculação, maratonas, triátlon etc. [Pessoas] que se exercitam acima da sua capacidade física, principalmente se não tiverem uma alimentação e descanso adequados. Casos de rabdomiólise são raros", avalia o médico Souza.

São outras as complicações que levam pacientes ao Instituto Vita, que faz reabilitação. "Já recebemos inúmeros pacientes com lesões originadas do crossfit, lesões no joelho, luxações de ombro, lesões de cartilagem e até fraturas", conta o traumatologista Wagner Castropil.

De acordo com o médico, muitos desses pacientes precisaram de fisioterapia. "Alguns, até de cirurgia." Ele afirma que atualmente o instituto atende, por mês, cerca de cinco casos de lesões de "crossfiteiros".

"É uma questão de técnica. Estamos cada vez mais profissionais, estudando para adequar a aula para qualquer pessoa. Respeitamos limites", diz Tiago Heck, sócio da Crossfit Sampa. A academia, em Perdizes, tem aula para criança, com exercícios sem peso. "Se elas começarem cedo, é mais fácil", diz Heck.

Mas a proposta é nunca ser simples, nem para esportistas como o mais rápido da competição do parque do Povo. Após remar o equivalente a duas raias olímpicas da USP, pular corda 300 vezes e correr quase 5 km, o participante cruza a linha de chegada imaginária no fim do treino.

Sua comemoração, após 51 minutos suando, é cair, estatelado, no chão. Depois de três segundos estático, ele levanta o braço direito e faz um sinal de joinha, com um sorriso no rosto.

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