'Quero meu rap como o samba do Cartola, do morro ao amor', diz Rashid

Nascido Michel Dias Costa, Rashid é, ao lado de Emicida e Projota, um dos "três temores" –como foi batizada uma turnê na qual eles se apresentavam juntos.

Natural da zona norte de São Paulo, ele viveu em Ijaci, Minas Gerais, dos 13 aos 17 anos.

Hoje, aos 26, e vivendo no bairro Lauzane Paulista, o promissor rapper da nova geração nacional toca sua produtora Foco na Missão e planeja lançar seu primeiro álbum oficial em 2015.

Em 2010 ele disponibilizou na internet a mixtape "Hora de Acordar" –um recado para ele próprio e para o resto do mundo, segundo o MC.

"Vai correr atrás do seu sonho, ele não vai vir te buscar em casa! Tá tudo errado e geral tá abaixando a cabeça pra isso", escreveu em seu site oficial na ocasião de três anos do lançamento daquele trabalho.

"Se for pra descrever [meu estilo] em uma palavra, talvez seja o estilo 'sincero'. Quero meu rap como o samba de Cartola, que vai do morro ao amor sem perder a beleza e a poesia", contou em entrevista à sãopaulo.

Leia abaixo.

*

sãopaulo - Qual motivo te levou a começar a fazer rap?
Rashid - De cara, acho que foi a identificação com os caras que cantavam rap. O que eles diziam, vestiam e representavam. Comecei a sonhar com isso muito cedo, aos 12 anos. Na época, eu não tinha tanto pra dizer ou pra querer dizer, mas sabia que aqueles caras que cantavam "Capitulo 4 Versículo 3" estavam falando uma coisa que eu também vivia e via. Daí veio a identificação. Pra virar uma vontade foi um, dois... Natural.

Conseguiria descrever seu estilo?
Não puxo meu som nem para um lado, nem para o outro. Nem pra tristeza demais, nem pra alegria demais Todos vivemos amores e dores, então tento fazer minha música passar por todos esses temas –tanto porque eu vivo isso também, quanto pra que a música seja uma companheira pros ouvintes quando estiverem vivendo coisas parecidas. Simples assim. Se for pra descrever em uma palavra, talvez seja o estilo "sincero". Quero meu rap como o samba de Cartola, que vai do morro ao amor sem perder a beleza e poesia.

O que acha da cena hip-hop brasileira atual? Acha que conseguiu sedimentar e ocupar espaço importante na cultura?
As pessoas que compõe a cena estão se organizando e têm fome de progresso. Temos talentos monstruosos e pessoas muito inteligentes, por isso estamos chegando aos espaços: TV, rádio, baladas, casas de shows... É o resultado do trabalho duro aliado ao dom. Não imaginava isso quando comecei, mas fico honrado em fazer parte desse passo da cena. Temos muito pela frente ainda. Estamos no meio da plantação ainda, não dá pra 'sentar' em cima da vantagem.

Em conversa recente com o KL Jay, ele disse que tem muito mais gente "puxando o bonde" do rap. Você acha que o bonde está bem comandado agora, com a nova geração do rap?
Não diria que a nova geração está comandando o bonde, mas acho que a responsabilidade foi dividida entre os que chegaram e os que já estavam. Temos mais gente na linha de frente agora, ficamos mais fortes. Temos empresas respeitadas e outras novas surgindo com grande potencial. Se o hip-hop norte-americano sempre foi exemplo pelo profissionalismo, hoje temos grandes exemplos aqui também. Fazemos nossas próprias roupas, CDs, revistas, livros, eventos, festivais –e é isso aí o que se chama de mercado. É tudo muito novo ainda, mas se seguir esse caminho seremos exemplo pro mundo dentro de alguns anos... É só ir aparando as arestas.

Os Racionais MC's tiveram alguma influência no seu trabalho, no seu "flow" [levada das rimas], na sua atitude?
Claro! Eu queria ser, andar, falar e me vestir igual aos caras. Da mesma forma que Public Enemy influenciou muita gente aqui, eles me influenciaram. Eu só tive contato com o rap gringo depois de velho, com acesso à internet, então os nacionais eram os caras pra mim, e ainda são. E o trabalho dos Racionais tá cada vez mais jovem, e isso é muito difícil de se fazer, artisticamente falando. Então posso dizer que continuam me inspirando. E muito.

Qual foi a música dos Racionais que você escutou?
"Capítulo 4, Versículo 3" foi o primeiro rap que escutei ciente de que aquilo era rap e aqueles caras eram os Racionais. Provavelmente não foi o primeiro rap que ouvi, mas foi o primeiro que ouvi sabendo: isso é um rap e esses cara me representam. "Diário de um Detento" também marcou muito essa época. Esse disco inteiro na verdade ["Sobrevivendo no Inferno]", no fim dos anos 1990.

O que achou do disco novo deles? Acha que há alguma influência de vocês no som deles?
Talvez. Me sinto um pouco presunçoso falando isso, mas talvez haja sim uma influência da nova geração no disco dos caras. Torço pra que haja! [Risos] Eu gostei muito do disco. Ouço as pessoas falando sobre o tamanho das faixas e tal... Pô, se for pra escolher, claro que eu quero um disco duplo com 20 músicas cada um e 10 minutos cada música, eu sou fã. Mas não é assim. É necessário entrar na música e entender, ver que cada disco é um filme e cada filme conta uma história. Os caras mudam bastante sempre de um disco pra outro, sempre evoluindo, acho isso incrível.

Ainda há espaço para um rap com aqueles feitos no fim da década de 1990?
Há muitos raps por aí como os dessa época, estivermos falando no sentido político e militante. Eu mesmo tenho vários assim. Acho que o que rolou é que foram encontradas novas formas de fazer a mensagem entrar na mente das pessoas. Novas gírias, novas batidas etc. E talvez, se você escutar de forma mais superficial, não entenderá mesmo. Sempre há espaço e necessidade pra isso, mas tem que haver a sensibilidade também, para saber dosar. O rap é arte, acima de tudo, mas também tem uma forte influência sobre a juventude, então não tem que deixar de ser um, mas também não precisa deixar de ser o outro. Só acho que não pode ser obrigação também, porque se não fica forçado.

O que diferencia a cena hip-hop de agora da cena de hip-hop daquela época?
A estrutura melhorou, temos mais gente olhando pros nossos talentos e um pouco mais de dinheiro circulando –não muito, mas tem. Grandes artistas daquela época viajaram o mundo e levaram nossa bandeira com eles, e, quando voltaram, além de uma bagagem monstra, trouxeram também novas ideias. Temos nossas empresas, temos marcas grandes patrocinando b-boys, MCs, DJs e grafiteiros por aí... Mas com o potencial e talento que o hip-hop do Brasil sempre demonstrou, isso era de se esperar. Vamos crescer mais ainda, fique de olho [Risos].

O que você sonhava quando começou? E o que você sonha agora?
Sonhava em gravar um CD, lançar um clipe, fazer uns shows e quem sabe um dia ganhar dinheiro e poder viver disso. Hoje tanta coisa já rolou, os sonhos cresceram... Agora eu sonho com o crescimento sólido da minha produtora [Foco na Missão produções], com outras turnês internacionais (já fizemos uma nos EUA), solidificar minha linha de roupas, achar meios de fazer o rap brasileiro tocar nas rádios (massivamente, já que somos e somamos milhões de fãs) e, quem sabe, um festival de rap lotando um estádio. Pelo que éramos há alguns anos e o que somos hoje, podem esperar por esse dia.

O que te angustiava no começo? E o que te angustia agora?
A falta de oportunidade e de estrutura me angustiavam, e ainda angustiam de certa forma. Porque não se trata só de mim. Quantas ideias ficaram no escuro porque não havia dinheiro pra realizá-las, ou apoio? E quantos talentos ainda hoje não emergem pela falta de oportunidades pra mostrar o trabalho? Batemos de frente com essas barreiras muitas vezes pra fazer o Rashid acontecer. Ainda hoje, como uma produtora independente, encontramos dificuldades. A parte boa é que construímos um nome e devido a isso tem mais gente interessada em se tornar parceiro(a) do que antigamente. Mas, para os novos talentos, continua difícil. Na medida do possível a gente tenta dar uma força também. Quando a FNM (Fono na Missão) estiver maior e mais firme, temos planos de assinar com novos talentos, pois sabemos bem que esses primeiros passos são complicados.

Quais os seus planos para o futuro?
R: Meu primeiro álbum oficial está previsto pra 2015. Estamos trabalhando com muito carinho nele, pois representa um grande passo e um novo momento pra nós. Lançamos um clipe/single em novembro chamado "Patrão", e temos mais um agora pra dezembro pra fechar o ano bem e já começar 2015 a todo vapor.

Qual a cara do rap brasileiro atual?
Um rap que se comunica com todos sem deixar de ser rap. Um rap que tem a diversidade que o nosso Brasil tem. Esse é o rap brasileiro. De norte a sul do país os estilos se diferenciam, as batidas, os sotaques, as gírias e até as ideologias. Mas se tem ritmo e poesia.

E o que falta na cena do rap brasileiro hoje??
Penso de cara numa melhor distribuição dos nossos discos. O Brasil é muito grande e é difícil chegar em todos os lugares. Temos milhões de views, milhões de likes, de seguidores etc... E é difícil até mesmo chegar nessas pessoas que estão pré-dispostas a nos ouvir. Isso falando tecnicamente. Artisticamente, para alguns artistas falta só ousar um pouco mais. Racionais vem ousando há 25 anos e olha aí o que se tornaram, sem medo das criticas e dos elogios. Eu quero escrever uma história bonita assim também.

Publicidade
Publicidade