Junho de 2013 não vai se repetir e protestos irão para periferia, diz MPL

Um ano e meio depois de iniciar a centelha que levou milhares às ruas do país, o MPL (Movimento Passe Livre) voltou nesta semana a organizar protestos contra o aumento da tarifa do transporte público.

Na segunda (5), foi feita uma aula pública para explicar as reivindicações e propostas do movimento para o transporte público. Na sexta (9), organizou o primeiro protesto contra o aumento da tarifa de R$ 3 para R$ 3,5 —que reuniu cerca de 5.000 pessoas, segundo a PM.

A próxima manifestação está marcada para 16 de janeiro.

De acordo com Erica de Oliveira, 24, uma das militantes escolhidas para falar em nome do movimento, o diálogo com o poder público não melhorou desde 2013. "O único contato é pela PM", diz a militante, que é veemente ao criticar a postura da polícia em relação ao movimento.

"Nem a prefeitura nem o Estado deram respostas que atendam aos interesses da população. Vamos continuar mobilizados", diz ela que, no entanto, avisa: junho de 2013 não deve acontecer outra vez. "Não é uma fórmula pronta que vai se repetir de 2013 em diante." Segundo ela, o foco do movimento neste momento é incentivar a mobilização na periferia. "Quem mora fora do centro é que mais é prejudicado pela má qualidade do transporte", diz Erica.

Leia a entrevista abaixo.

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sãopaulo - Depois dos protestos de 2013, a prefeitura disse que haveria mais diálogo com os movimentos sociais e com a população. Isso aconteceu?
Erica de Oliveira - Não. Depois da revogação do aumento da tarifa em 2013, a prefeitura tomou medidas que mostram como não se ouve a população. O corte de linhas de ônibus, feito sem consultar os usuários, é um bom exemplo da falta de diálogo. O governo do Estado também não tem diálogo, o único meio de contato é feito com a PM, que antes mesmo do protesto soltou uma nota dizendo que iria cercar manifestantes durante o ato. Eles sabem muito bem como entrar em contato conosco porque já apareceram na casa de militantes para coagi-los a prestar depoimento, mas agora entraram em contato através de um formulário do site, nem sequer mandaram um e-mail para o endereço geral do movimento. Até fizemos uma nota para explicar porque não nos reunimos com a polícia. Então não, não há diálogo, nem a prefeitura nem o Estado parecem ter interesse em ouvir.

Mas não foram criados um conselho popular e uma auditoria depois dos protestos?
A prefeitura deu uma série de respostas: o conselho, a auditoria das empresas que administram os ônibus, o passe livre estudantil. Mas ficam muito aquém das necessidades da população. O conselho de transporte, por exemplo, é fake [falso], um conselho de fachada, a prefeitura não põe nada do que é falado ali na prática. Só existe para dizer que existe. E a própria auditoria das empresas mostrou que o lucro é absurdo, em torno de 18%, e o interesse da população é que isso diminua.

Por que o MPL critica o passe livre estudantil?
Porque a questão urbana diz respeito a todos os habitantes, não apenas aos estudantes. A cidade está dividida entre os que podem se locomover e os que não podem. Entre os que não podem, há uma porcentagem de estudantes, mas o aumento vai atingir metade da população –que não vai ser beneficiada pelo passe livre e não tem o vale-transporte da empresa. São as pessoas que não estão no mercado formal, que moram na periferia. O passe livre para estudante de baixa renda não é tarifa zero, é uma medida insuficiente. Hoje é muito mais eficiente mudar o sistema como um todo do que tomar várias medidas pequenas.

Os atos neste ano terão tanta participação e amplitude quanto em 2013?
A gente acredita que junho de 2013 foi uma revolta. A gente fez lutas durante dez anos e a cada ano elas são diferentes, resultado de processos históricos diferentes. Junho não foi um fenômeno isolado, é fruto de muitos anos de luta, mas não é uma fórmula pronta que vai se repetir de 2013 em diante.

O que estão esperando então?
Não se trata de repetir junho. Mais importante é que o centro dessa luta contra o aumento seja a periferia, pois é lá que estão as pessoas mais prejudicadas. [O MPL é] apenas um dos atores que lutam pelo transporte, não temos o monopólio da luta contra o aumento. E estamos chamando as pessoas para que elas se organizem e façam suas lutas.

Atos na periferia tem o mesmo poder de pressão?
Em 2013, os atos do centro estavam gigantes, mas cidade inteira estava mobilizada. No Grajaú, no M'Boi Mirim, nas rodovias, [protestos] feitos pelas pessoas que moram no ABC. Não foi só o centro, quanto a luta se espalhou, se espalhou para a cidade inteira. E agora a gente quer espalhar ainda mais, quer reforçar isso.

O MPL continua colhendo frutos da exposição que teve em 2013?
Teve perdas e ganhos. A mobilização foi importante porque colocou em pauta nossas revindicações. Nao se trata tanto da exposição do movimento, mas da pauta dos transportes, que foi pra ordem do dia, com a importância que ela já tem pra vida das pessoas. A pauta ganhou a centralidade que ela merece. Mas teve o lado ruim: a gente tem até hoje que bater na tecla que o MPL não é dono da luta contra o aumento, que quem aparece não são lideranças porque o movimento é horizontal etc. A gente tenta até hoje deixar isso claro. E tem a questão da repressão policial. O MPL está sendo investigado em um inquérito que tem objetivo político, não há acusão formal. É para intimidar mesmo e ter um controle do que as pessoas estão fazendo. A postura [da polícia] com as manifestações é a mesma que acontece com as pessoas todos os dias nas ruas, nas periferias. A gente gostaria de fazer atos tranquilos e esperava que a polícia não fosse truculenta como costuma ser.

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