'Faço obras atraentes e repulsivas', diz artista libanesa Mona Hatoum

Em uma sala, pequenos soldados de brinquedo apontam armas uns aos outros, formando o símbolo do infinito. Em outra, um cubo vazado poderia transmitir leveza, mas os espinhos e o material de que é feito, ferro, o tornam pesado.

É desta forma que a libanesa Mona Hatoum apresenta sua arte na Estação Pinacoteca, até o dia 1°/3. Cerca de 30 trabalhos traçam um panorama de sua carreira, partindo dos anos 1980. As obras tangenciam temas árduos, tratando-os com beleza singular.

Algumas foram criadas para esta mostra —como "Janela", que projeta em uma parede imagens captadas por uma câmera, ao vivo, no largo General Osório. Em "Sonhando Acordado", Mona expõe tecidos bordados por mães brasileiras de portadores de problemas cardíacos. A artista perguntou qual o maior sonho delas. E o resultado são trabalhos tocantes e igualmente delicados.

Informe-se sobre a exposição

ABAIXO, LEIA A ENTREVISTA COM MONA HATOUM:

sãopaulo - Suas obras podem ser vistas de diferentes formas. É para que cada espectador faça sua própria interpretação?
Mona Hatoum - Sim, eu gosto de articular minhas ideias por meio dos materiais e das qualidades abstratas da arte. Ela tem uma linguagem ambígua e que não fala com termos diretos, sendo, portanto, aberta a interpretações. Em todo caso, cada espectador pode ter sua própria visão e criar significados —e é desta forma que ele tem papel ativo no meu trabalho.

Você sempre tenta adaptar seus trabalhos à realidade do local onde serão exibidos?
Sempre que sou convidada a expor procuro fazer uma visita ao local, um ou dois anos antes da data. Fico aberta a tudo que possa me inspirar sobre o espaço e o contexto da mostra. Pode ser um aspecto específico do espaço, ou sua própria história. Tento pesquisar artesanato e materiais locais e fazer um trabalho conjunto com os fabricantes.

Enquanto alguns dos seus trabalhos fazem alusão a objetos domésticos e familiares, outros tratam de temas políticos. Eles estão inseridos no período em que foram criados?
Com exceção de alguns casos, as obras não apontam a nenhuma guerra ou conflito específico. Então, acredito que sejam atemporais e que possam ser aplicadas a qualquer conflito, em qualquer época.

Como o período que você ficou no Brasil influenciou sua mostra?
Todos os novos trabalhos que estão na exposição foram criados depois das cinco semanas que passei no Brasil. Na primeira vez que visitei o país, em 2010, tive a oportunidade de conhecer a ACTC (Associação de Assistência à Criança e ao Adolescente Cardíacos e aos Transplantados do Coração), que dá assistência a mães enquanto elas esperam pelo transplante de coração de seus filhos. Elas aprendem a bordar para ter uma renda ao longo da estadia na cidade. Fiquei muito tocada com essas mulheres, queria fazer um trabalho que pudesse fazê-las pensar sobre seus projetos e aspirações. O resultado foi um número impressionante de histórias individuais, dolorosas, emocionantes e até bem-humoradas, que geraram a instalação "Sonhando Acordado". Sou muito agradecida a essas mães que bordaram seus sonhos nas fronhas.

Na exposição em cartaz na Estação Pinacoteca, alguns detalhes se repetem —como a figura do soldado. Qual o motivo?
Eu e a curadora Chiara Bertola fizemos uma seleção baseada no que se encaixaria bem ao espaço, tentando criar um diálogo interessante entre as obras. Alguns dos trabalhos foram escolhidos por dialogar com a história do prédio e o seu papel durante a ditadura militar. E não são apenas as conexões óbvias com a ditadura militar —a dureza está implícita nos utensílios de cozinha, como o ralador, que foi ampliado em proporções surreais para atuar como um paravento que corta agressivamente o espaço.

Transformar temas árduos em poesia é sua marca?
É uma boa definição. Procuro criar obras que seguem em duas direções: elas podem ser atraentes e repulsivas ao mesmo tempo. Na obra "Cube", a estrutura do cubo é elegante, mas feita inteiramente de arame farpado —um material que traz à tona muitas associações. Às vezes é bom introduzir um pouco de humor em questões pesadas. Se quiser chamar isso de "poesia visual", eu gosto desse rótulo.

ASSISTA AO VÍDEO DA INSTALAÇÃO "MISBAH" NA ESTAÇÃO PINACOTECA:

Vídeo

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