'Pintei cem quadros ouvindo Bach', diz Carlos Bracher, que ganha exposição

"Olha esse. Tentei dar retas às formas, mas ficou esquisito", avalia Carlos Bracher, 74, apontando um de seus quadros com traços cubistas. Faz sentido: o artista é visceral. "Se você arruma uma tela, passa a desacreditar dela. Na pintura, não há retoques".

A análise foi feita na abertura da exposição "Bracher - Pintura e Permanência", em cartaz desde quinta (29) no Centro Cultural Banco do Brasil. A mostra faz uma retrospectiva dos quase 58 anos de carreira do pintor mineiro, que é um dos artistas brasileiros que mais expôs no exterior.

São 87 obras, dividas em quatro andares, que contemplam a produção de Bracher —incluindo autorretratos da década de 1960 e quatro telas da recente série "Aleijadinho" (2014).

A coleção, por sinal, é composta de 80 quadros que o artista finalizou em 20 dias. "Quando está produzindo, ele se transforma. Sai exausto, mais velho, mas também renovado", pontua Larissa Bracher, atriz e filha do pintor.

A mostra conta também com a reprodução do ateliê de Bracher em Ouro Preto (MG) e com uma instalação digital em que os visitantes podem reproduzir as pinceladas do artista.

Informe-se sobre a exposição

ABAIXO, LEIA A ENTREVISTA COM O PINTOR:

sãopaulo - A mostra revela o pintor e também um poeta. Considera-se um artista completo?
Carlos Bracher - Vou te falar uma coisa: foi por causa desta exposição que eu admiti, pela primeira vez, a palavra "artista". Nunca me chamei assim, é algo muito elevado, sabe? Mas vendo essa mostra como se fosse um visitante, fui convencido. A escolha dos quadros, a cor da parede, a música... Há uma essência figurada que diz muito sobre mim.

Podemos considerar "Pintura e Permanência" uma síntese de sua obra?
Sim, isso é a minha vida! Todos os meios e entremeios. Tem todos os momentos profundos de alegria e de dor. A arte é uma revelação de todos esses momentos —somos nós, seres humanos.

Há uma pintura ou série de que você gosta mais?
Se você perguntar, vou falar que é a série do Van Gogh. Fiz 100 quadros, todos ouvindo "A Paixão Segundo São Mateus", de Bach. Só ouvia essa, foi uma obsessão. Para entrar em um vetor desse, de loucura, só sendo obsessivo.

É a primeira vez que uma mostra sua tem um espaço multimídia. Como encara a relação das artes plásticas com o digital?
Isso é mágico! Aquelas pinceladas [referindo-se à instalação em que os movimentos das mãos dos visitantes são projetados em uma parede] são as minhas pinceladas, como nos meus quadros. Os organizadores conseguiram decodificar.

Você nunca quis pintar um retrato de suas filhas?
Minha pintura não é feminina. Isso, quem sabe fazer, é só Leonardo Da Vinci. Existem telas que podem apreender a beleza feminina, mas a minha só consegue captar a beleza selvagem. Não sou um pintor delicado -pinto confusão, é um pouco assustador. É tudo intenso, e tem que ser intenso. Se a pintura não é intensa, ela não é nada.

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