Restaurantes eleitos júri

De urtiga a flores, chefs adotam plantas incomuns na cozinha

A má fama da urtiga é grande. Quem vem da roça adora contar "causos" do estrago que a danada faz na pele. Mas ela não é de todo ruim.

Experimente empanar as folhas com ovo e farinha de rosca. Frite e coma sem medo —se queimar a boca, a culpa é do óleo quente, já que a planta perde o poder irritante depois de cozida. Fica com gosto de peixe. Inusitado?

Pois a urtiga e outras 350 espécies estão listadas no livro "Plantas Alimentícias Não Convencionais no Brasil", lançado pela editora Plantarum em 2014. Em 768 páginas, Valdely Kinupp e Harri Lorenzi falam sobre elas, as Pancs, não necessariamente desconhecidas, mas nem sempre vistas como alimento.

São espécies rústicas, que não necessitam de trato no cultivo e podem brotar espontaneamente em terrenos baldios. Não raro, são confundidas com ervas daninhas.

"Muito do que é tido hoje como não convencional já foi consumido no passado e, por algum motivo, o hábito se perdeu. O objetivo é resgatar esses sabores e driblar a monotonia à mesa", prega Kinupp.

Foi batendo na tecla dos novos sabores que o pesquisador fisgou a atenção de chefs como Helena Rizzo, do Maní. Apresentou-lhe o lírio-do-brejo, que logo virou sorvete.

"Foi uma descoberta e tanto. A raiz lembra gengibre e a flor, perfumadíssima, parece jasmim", diz Helena, que cata a espécie toda vez que vai para o litoral. "Tem aos montes na beira da estrada."

A chef conta com fornecedores do lírio-do-brejo para os preparos no restaurante. Mas o fato de as Pancs terem baixa popularidade e não serem cultivadas em larga escala —qualidades que as definem, diz Kinupp— faz com que a sua oferta seja pequena também.

Pensando nisso, Ivan Ralston, do Tuju, resolveu cultivar a própria horta no restaurante, com cerca de 200 espécies. "Plantamos o que não encontramos no mercado."

Ali florescem beldroega, espinafre-da-nova-zelândia, feijão-guandu e outras espécies que dão personalidade aos pratos da casa.

Uma das receitas, por exemplo, é o Buquê de Pancs, com alface romana servindo de cesta para folhas de caruru, tatsoi, ora-pro-nóbis, capuchinha, trevo-roxo e espécies comuns, como chicória. Para comer com as mãos.

No Esquina Mocotó, a capuchinha também vem da horta própria e vira comida nas mãos de Rodrigo Oliveira —a folha dá graça à receita do pirarucu com cuscuz de farinha uarini e castanha-do-pará.

Já o chef Alex Atala usa no restaurante D.O.M. plantas como ora-pro-nóbis —no prato amazônico chibé, que leva frutos do mar e farinha de mandioca.

Apesar do pouco mercado, também é possível levar Pancs para casa em São Paulo. O projeto Muda (Movimento Urbano de Agroecologia) organiza a venda de espécies todos os domingos na feira orgânica do shopping Villa-Lobos.

"Tem muita gente que não compra Panc porque não faz ideia do que fazer com aquilo. Nosso trabalho é, além de oferecê-la, orientar seu preparo", diz Guilherme Ranieri, educador ambiental do Muda e autor do blog "Matos de Comer".

Publicidade
Publicidade