Atrações gastronômicas em SP têm jantar para orixás e bufê budista

Eva experimentou o fruto proibido, gostou e ofereceu a Adão, seu marido, que também não resistiu à tentação. Pecaram, diz a Bíblia -e foram expulsos do jardim do Éden.

A comida está presente no enredo de crenças não só do cristianismo, mas de muitos outros credos.

Como analisou o historiador Henrique Carneiro no artigo "Comida e Sociedade: Significados Sociais na História da Alimentação": "a identidade religiosa é, muitas vezes, uma identidade alimentar".

Budistas humanistas não comem carne. Idem para devotos do Hare Krishna, que também dispensam café e chocolate. Nos terreiros de candomblé, cozinha-se o que o santo gosta de comer. Para monges beneditinos, a comida é fonte de renda.

Nesta São Paulo sincrética, come-se de tudo, e não é preciso ser religioso. Descubra a seguir onde comungar muito mais do que a hóstia.

Candomblé - Clandestino dos Orixás

A chef Bel Coelho não é iabassê (filhas de santo cozinheiras), tampouco é frequentadora de terreiros.

Não tem certeza se acredita em Deus, mas respeita todas as crenças e religiões -e pelo candomblé nutre um encantamento especial.

"Os terreiros conservam a cultura africana, que também é parte da nossa identidade. As danças, as comidas. Muito dos nossos costumes vêm de lá", afirma Bel.

Influenciada por sua irmã -esta sim, filha de santo-, decidiu explorar o lado culinário da crença. Contou com a consultoria de iabassês como dona Carmen Virgínia, de Recife (PE), que tratou de apresentá-la às comidas preferidas de cada um dos orixás.

Fora do terreiro, a chef lançou mão da licença poética para reinterpretar as comidas divinas.

À sua maneira, mas sempre "com muito respeito", recriou nove receitas, cada uma para um orixá, que serão servidas em três jantares (R$ 260) nos dias 30 e 31/7 e 1º/8.

Bel cuidará da cozinha enquanto dona Carmen, filha de Xangô, vai explicar aos comensais a relação dos pratos com os orixás.

O menu tem vários tempos, com beliscos de entrada, quatro pratos, sobremesa e café com docinhos.

O cupim curado com farofa de dendê, mel e cachaça abre os trabalhos. Oferenda para Exu, que gosta de carne, pinga e cigarro. O petisco vem tampado por um copinho de vidro que, quando levantado, deixa escapar a fumaça de tabaco que defuma a receita.

Sarapatel e acarajé de feijoada dão sequência ao jantar. Costela de javali (carne de caça) aparece para Oxóssi, e o picles de chuchu e ervas traz à mesa a sabedoria de Ossaim.

Para Iemanjá, rainha do mar, tem peixe e pérolas de coco -para alimentar sua vaidade.

A banana, fruta preferida de Oxum, compõe a sobremesa que também leva requeijão, melaço de cana, creme de cumaru, sorvete de gema e caramelo de coco.

Por fim, balas de coco e de leite adoçam o café orgânico. Referência aos Ibêjis, orixás crianças que adoram guloseimas.

R. Groelândia, 1.478. Dias 30, 31/7 e 1º/8: 20h30. Ingressos (R$ 260) à venda em foodpass.com.br

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Abadia de Santa Maria - Silêncio com cheiro de biscoito

Monjas beneditinas recolhem-se aos pés da serra da Cantareira, na região norte de São Paulo.

Apesar do movimento da avenida, as árvores da mata atlântica que cercam a abadia tratam de abafar o barulho dos automóveis.

Um portão de ferro dá acesso à construção recuada. Lá dentro, o silêncio só é quebrado pelos cantos gregorianos nas missas diárias, às 7h15 (de segunda a sábado) e às 9h30 (aos domingos).

A rotina das irmãs se divide entre oração e trabalho. Na distribuição de tarefas, as que têm jeito para a cozinha dedicam-se à produção de bolachas e licores.

A receita do biscoito bricelet, fino como uma hóstia, é replicada em mosteiros pelo mundo. Leva farinha, ovos, leite, açúcar e suco de limão. As quantidades e o modo de preparo são secretos.

Já o biscoito de Santa Maria, como o nome denuncia, é exclusivo. Combina amido de milho, ovos, açúcar, margarina e essência de baunilha. Desmancha na boca.

A cada fornada, o cheiro das bolachas -vendidas a R$ 25 na loja anexa- invadem as dependências do convento.

Os licores, bem alcoólicos, vêm em garrafas que levam o símbolo da cruz de são Bento. Há versões nos sabores chocolate e limoncello.

Av. Cel. Sezefredo Fagundes, 4.650, Jardim Trebembé, tel. 2203-8946. Loja: seg. a dom.: 9h às 11h e 15h às 17h.

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Mosteiro de São Bento - Dose clausura

"Ora et labora", pregava são Bento aos monges, pois "a ociosidade é inimiga da alma".

No mosteiro beneditino situado no centro de São Paulo, os religiosos enclausurados dedicam-se, entre outros trabalhos, à feitura de pães, bolos e geleias.

São receitas seculares que, de início, eram preparadas para consumo interno. Secretas, só eram passadas de um monge para outro para a preservação da tradição.

A partir de 1999, os produtos passaram a ser vendidos na "padaria" em um canto da basílica. No começo, só aos domingos. Longas filas se formavam (de católicos e não católicos) em busca do pão de são Bento (R$ 20), que leva mandioquinha na massa.

Atualmente, o balcão pequenino abre de domingo a domingo e dá conta de vender também terços, crucifixos e outras lembrancinhas.

Do receituário da abadia saem oito versões de bolos. O dos Monges (R$ 65), à base de vinho canônico, damasco, ameixa e açúcar mascavo, foi criado no século 19.

Mas também há receitas europeias. O bolo mais caro é o Gaudeamus (R$ 95), feito com farinha de pistache, açúcar, ovos e limão.

O Laetare (R$ 70), com farinha de amêndoas, é criação dos portugueses do mosteiro de Tibães.

Largo São Bento, s/nº, Centro, tel. 3328-8799. Seg. a sex.: 7h às 18h. Sáb.: 7h às 12h. Dom.: 11h às 12h.

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Templo hare krishna Vrinda - Fome divina

"Cozinhamos para Deus, que come às 12h em ponto", explica o hare krishna Kapila Muni Das.

Então, ao meio-dia, o restaurante Govindas Natural, um apêndice do templo Vrinda, na Aclimação, abre as portas para visitantes. "Deus come primeiro e nós comemos o restante."

São receitas veganas (sem ingredientes de origem animal). Quem come carne, acreditam, torna-se agressivo.

Na despensa entram apenas farinhas integrais e orgânicas, açúcar demerara (granulado, de cor amarela) e sal marinho. Industrializados não têm vez.

Há sempre uma opção de prato por dia. Às quartas-feiras, torça para encontrar a feijoada de vegetais com tofu defumado. Vem com farofa de banana-verde, couve e arroz integral com sementes de mostarda.

Come-se à vontade por R$ 15, com suco natural e sobremesa.

O restaurante fica aberto até as 15h, mas o ideal é que se almoce até 13h. "Com o sol a pino, o fogo digestivo está a todo vapor", diz Kapila, que, como todo discípulo, come com as mãos.

No Govindas, porém, há garfo e faca -90% dos que almoçam ali não seguem a religião.

Terminado o almoço, não peça café. Hare krishnas não tomam nada que altere a consciência.

R. Muniz de Souza, 774, Aclimação, tel. 5908-1361. Restaurante: seg. a sex.: 12h às 15h.

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Templo budista Zu Lai - Alimentação vigilante

"Para curar meu corpo que se debilita, consumirei este alimento como se fosse medicamento."

Sob vigília constante e mentalizando as recomendações budistas para a refeição, as monjas do templo Zu Lai, em Cotia (Grande São Paulo), fazem suas refeições. É preciso comer em silêncio.

As receitas são vegetarianas com um toque chinês. Não é permitido comer carne -afinal de contas, "não matar" é o mais importante dos preceitos da religião.

No fim de semana, quando o templo abre o refeitório aos visitantes, os pratos oferecidos no bufê (R$ 25 por pessoa) são os mesmos consumidos pelas religiosas. O silêncio, porém, não é respeitado. Senta-se em mesas comunitárias.

"Coma à vontade", orienta o voluntário do templo, que distribui pratos e talheres às pessoas na fila.

As travessas oferecem saladas e pratos quentes, como bifum (macarrão oriental de arroz), proteína de soja ao curry e lasanha de espinafre.

Um caldo ralo, com nacos de legumes mergulhados e melancia de sobremesa complementam o almoço, servido do meio-dia às 14h.

Chegue cedo no domingo para acompanhar as cerimônias recitadas pelas monjas em chinês.

Estr. Fernando Nobre, 1.461, Cotia, tel. 4612-9805. Ter. a sex.: 12h às 17h. Almoço: sáb., dom. e feriados: 12h às 14h30.

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