'Não basta preservar mico-leão-dourado', diz criador da Virada Sustentável

São Paulo parece tornar-se mais amigável para seus moradores, mas a gestão das áreas verdes ainda deixa a desejar, desvinculando a preservação das preocupações sociais, como habitação e segurança.

A percepção é do coordenador e idealizador da Virada Sustentável, André Palhano, 39. O evento, que está na 5ª edição, traz mais de 700 atrações, como debates, palestras, exibição de filmes, e prática de exercícios – tudo para mostrar que sustentabilidade não é sinônimo de cuidar das florestas. É também incomodar-se com os impactos causados na cidade.

"Sustentabilidade não é só o verdinho, a preservação da mata ou da biodiversidade. Muita gente está começando a perceber que temas como ocupação do espaço público, cultura de paz, acessibilidade, diversidade, mobilidade urbana também estão relacionados", diz Palhano.

Leia a entrevista completa abaixo:

Maria do Carmo/Folhapress
O organizador da Virada Sustentável, André Palhano, em foto de 2012

A cidade vive uma crise hídrica e a Virada tem várias atrações ligadas ao assunto. Deram uma importância especial para o tema?

Foi muito mais o fato da cidade estar vivendo essa realidade. A Virada nunca escolhe um tema, mas é lógico que é o problema de sustentabilidade mais visível hoje. Uma das coisas mais legais é a estreia do segundo episódio do Volume Vivo, um documentário do Caio [Ferraz], que fala de uma maneira elucidativa sobre a crise. Uma coisa legal no extremo sul, é a remada na quebrada, em que o pessoal vai realmente entrar na água.

O que você destaca de novidades na programação?

Sempre tivemos a preocupação de não concentrar a Virada Sustentável na região central da cidade, na nossa Manhattan. É claro que é onde há mais equipamentos culturais, mais parques, e isso acaba influenciando, mas a gente tem estratégias nesse sentido. Grupos no extremo sul montaram uma programação que é maravilhosa, ajeitaram com os temas locais, com a linguagem local. Reproduzimos isso no extremo leste, com a turma do Arte e Cultura na Quebrada.

Uma parceria das mais legais foi com a secretaria municipal da Educação, para levar as atividades até os CEUs. Chamamos vários grupos e conseguimos em tempo recorde construir uma programação que vai para 15 a 18 CEUs (Centro Educacional Unificado).Sustentabilidade não é o assunto de um grupo ou de uma classe, diz respeito a todo mundo.

Perceberam uma preocupação maior com o tema de coletivos e órgãos públicos?

Sim. E isso se deve não só a nós, mas a vários grupos da cidade que estão demonstrando que sustentabilidade não é só o verdinho ou a preservação da floresta, ou a biodiversidade. Muita gente está começando a perceber que temas como ocupação do espaço público, cultura de paz, acessibilidade, diversidade, mobilidade urbana e outros estão ligados.

Muita gente olhava para a sustentabilidade e achava que era apenas a separação do lixo ou a poluição. É isso também, mas é muito mais do que isso. Temos notado uma clara diferença. Na prefeitura e no governo estadual varia de órgão para órgão, se estão mais ou menos alinhados com essa visão.

Como vê a gestão ambiental na cidade?

A gente tinha que ter sobretudo uma gestão mais técnica, menos política.

Falta o entendimento de que preservar não é deixar de construir habitações populares ou deixar de lado o social para se preocupar apenas com o ambiental. A crise da água mostra muito bem o efeito da gente não ter mata ciliar, de nascentes, preservadas.

Não é só "ah, eu quero preservar o mico-leão-dourado" em detrimento da qualidade de vida do paulistano. Esse é o grande erro. Por isso uma gestão técnica consegue enxergar as relações, que são muito complexas, entre esses muitas esferas.

Percebe avanços na cidade nos últimos anos?

Sem qualquer coloração partidária, acho que alguns temas na esfera municipal estão muito atrasados. A gestão ambiental, do verde, das áreas de preservação ainda deixa muito a desejar, mas você vê uma coisa, talvez um movimento mais importante nesses últimos, de tornar a cidade mais convidativa para as pessoas.

Acho que são testes, têm suas falhas, obviamente, mas esse ensaio de ter uma cidade mais "slow", com bike, parklets, é, sem dúvida, o movimento mais interessante que está acontecendo nos últimos anos. As pessoas começam a gritar antes de ver os resultados, mas eles não são imediatos. Nesse tema específico é impressionante como a gente avançou.

O paulistano está mais atento a questões ligadas à sustentabilidade?

É impressionante a quantidade de grupos e coletivos que já estão atuando por isso e vários deles querendo mudar o mundo, mas sem fazer disso um fardo. Dá para fazer isso com cara de festa, de uma forma alegre e gostosa. Sem que isso implique em perda da seriedade que os temas exigem.

O que está começando acontecer é que o paulistano que não estava antenado nesses movimentos, participa de uma coisa aqui, outra ali. Vai andar de bike na avenida Paulista, vai para um piquenique no parques com os amigos e descobre que São Paulo tem muita coisa legal acontecendo e não há como não se encantar.

Tem essa força desses grupos e não tenho dúvida de que isso contamina as pessoas de uma forma muito positiva. Essa transformação não vai vir de grandes mudanças da gestão ou do setor privado, acho que são pessoas que contaminam pessoas.

Quais são os maiores problemas ligados a sustentabilidade na cidade hoje?

Posso citar quatro grandes temas que hoje dizem respeito à cidade: água, mobilidade urbana, cultura de paz e uso do espaço público. Não adianta ter um mundo 100% eco, eficiente, se as pessoas estão se matando por diferenças religiosas ou políticas. O quarto tema é talvez a questão em que a gente esteja mais avançado. É impressionante como o paulistano deixou de frequentar a rua, as praças, os parques, e agora está visivelmente retomando esses espaços.

O tema sustentabilidade ainda é muito ligado à florestas e pouco à cidade?

As questões verdes ou ambientais são fundamentais para as cidades e são nelas que exercemos a pressão sobre os sistemas naturais. Se você desmata uma área preservada você está prejudicando o clima, inclusive o da cidade.

A gente tem que entender que a biodiversidade, as florestas, têm uma função de manutenção da vida e isso se refere também às cidades. São coisas geologicamente separadas, mas os sistemas são interligados. De novo, o exemplo da água. Se a gente não tivesse retirado tanto a vegetação nativa em torno dos mananciais certamente não teríamos um problema tão grave. É difícil para as pessoas fazerem essa relação porque elas não estão vendo essas coisas. As pessoas não enxergam os fenômenos climáticos.

Quais são os legados da Virada Sustentável?

Tem alguns legados físicos como, por exemplo, no Largo da Batata, onde a gente vai fazer uma parede verde de cem metros quadrados. Vamos deixar um retângulo no meio para que ali seja um cinema, para que a turma que já está ocupando a Batata projete filmes ali.

Tem alguns bicicletários junto com a CET, mutirões de revitalização de praças. Muito mais importante do que as questões físicas, o que deixamos para a cidade, além do conhecimento e do compartilhamento, é a visibilidade e o reforço de conexão entre os grupos, coletivos, organizações, que já estão fazendo a diferença em São Paulo.

Você mostra para cidade que tem muita coisa dando certo e reforça as conexões e o conhecimento entre os grupos que estão fazendo isso. São pontes que não dependem mais da gente, eles criam conexões, novos projetos.

Publicidade
Publicidade