Hipotética viagem ao passado norteia novo espetáculo; leia entrevistas

Otavio Martins começou a escrever "Pergunte ao Tempo" em 2009, quando seu pai foi diagnosticado com Alzheimer —mas só finalizou o texto este ano, com a morte dele.

Com a doença, as memórias de Vicente, que viveu até os 78, se transformaram em um misto de passado e imaginação. "Ele mesmo se questionava sobre a existência do tempo, sobre sua ação", conta o filho, que aborda esse tema em seu novo espetáculo, que chega na próxima quarta-feira (21) ao Centro Cultural Banco do Brasil.

A história mostra um personagem que invoca a si mesmo mais jovem, de um passado distante, e que traz de volta o grande amor de sua vida para um acerto de contas. É como uma máquina do tempo hipotética.

Priscila Prade/Divulgação
Guta Ruiz, Luiz Damasceno e Giovani Tozi estão no elenco de "Pergunte ao Tempo", peça de Otavio Martins
Guta Ruiz, Luiz Damasceno e Giovani Tozi estão no elenco da peça "Pergunte ao Tempo"

Segundo Otavio, que também é autor e diretor de "Caros Ouvintes", a peça é uma "provocação dramatúrgica" que leva o público a uma inevitável questão: "Que caminhos tomei para chegar no que eu me transformei?".

Em cena, os atores Luiz Damasceno, Giovani Tozi e Guta Ruiz criam um jogo de muitas perguntas e poucas respostas que desafia as noções de tempo e espaço —e instigam uma reflexão sobre a possibilidade de voltar ao passado e ajustar possíveis erros.

Guta, que interpreta a mulher que conduz a imaginação do personagem mais velho, diz que o texto faz com que qualquer tipo de público se identifique. "É uma mistura de inteligência e simplicidade, amor e humor."

Abaixo, leia entrevistas com o autor Otavio Martins e com a atriz Guta Ruiz.

Informe-se sobre o evento

-

BATE-PAPO COM OTAVIO MARTINS

sãopaulo - De onde surgiu a ideia/vontade de escrever esse texto?
Otavio Martins - Comecei a escrever este texto em 2009, depois que meu pai foi diagnosticado com Alzheimer, e só finalizei este ano, com a morte dele. As transformações de sua memória se refletiam muito no cotidiano: as confusões, as ausências. Todo o processo é muito difícil, de um dia para o outro ele ia se transformando em um misto de passado com imaginação. No entanto, ele mesmo se questionava sobre o tempo, sobre a existência do tempo, sobre sua ação.

Você acha que um dia a gente vai conseguir realmente ter uma máquina do tempo pra voltar ao passado? Para onde você voltaria?
Acho que a máquina do tempo mais linda e eficiente que pode haver é a nossa imaginação. Em termos concretos, a física quântica vai além, afirmando que tempo e espaço não existem. Duvido que um dia seja criada uma máquina para voltar no tempo, até por sua inutilidade: para que alguém voltaria? Pra corrigir um erro? Para reviver um grande amor? O grande barato da vida é essa efemeridade. Se tivesse a chance de voltar no tempo, eu declinaria o convite. Eu já sei o que foi o passado, e esse passado, com seus erros e acertos, foi o que me trouxe até aqui. Saber que eu sou o único responsável pelos meus atos é a força que eu preciso pra seguir em frente.

Raquel Cunha/Folhapress
Otavio Martins é autor e diretor de "Pergunte ao Tempo"
Otavio Martins é autor e diretor de "Pergunte ao Tempo"

Que emoções a peça deseja provocar no público?
"Pergunte ao Tempo" é uma provocação dramatúrgica, uma peça que poderia ser montada como num moto-contínuo: seu começo e seu fim se completam. Não é um texto realista, não se pretende científico ou cartesiano. Não se pretende uma comédia —embora faça rir— nem se pretende um drama —embora leve o público a uma inevitável questão: - Que caminhos tomei pra chegar no que me transformei?

Quais as principais características dos personagem?
Na peça, um personagem invoca a si mesmo mais jovem, de um passado distante, e também traz o grande amor de sua vida para um acerto de contas. Ele é, ao mesmo tempo, o homem no fim da vida e o jovem que alimenta um futuro brilhante e invencível, confrontado pela representação do desejo em sua forma mais carnal e egoísta.

*

BATE-PAPO COM GUTA RUIZ

sãopaulo - O que te chamou mais a atenção quando você leu o texto e o que te fez aceitar o papel?
Guta Ruiz - O texto do Otavio tem humor sem ser raso, há uma acidez e um riso de situações sérias que me interessa muito. Mas ao mesmo tempo não é arrogante ou dogmático, permite a qualquer público se identificar ou refletir, com todas as referências e a profundidade. Uma mistura de inteligência e simplicidade, amor e humor. Aceitei pelas pessoas envolvidas, por ser um convite do Otavio, com quem namoro trabalhar há tempos, e, principalmente, por sentir que teria liberdade de criar e jogar ("to play") juntos.

Como você define sua personagem?
Ela é o obscuro objeto de desejo desse homem. Existiu sim na vida dele, mas faz parte de seu jogo emocional, em dois tempos, quando jovem e quando mais velho. Mas é fruto da obsessão dele. E conduz a imaginação do tempo que ele propõe para si mesmo.

E você, gostaria de ter a chance de voltar no tempo?
Para qual período?
Essa pergunta me fez pensar em dois filmes: "De volta para o Futuro" e "Meia-Noite em Paris". Eu voltaria sim, não sei em qual período, pois se eu falasse nos anos 1960 ou antes seria difícil, por não ter nunca vivido aquilo. É só minha fantasia. E voltar pra mudar algo em minha vida... faria sentido? Eu seria quem sou hoje? Ou mudaria tudo? Não sei. Pensarei durante a temporada [risos].

Publicidade
Publicidade