Monitor ambiental vira personagem em vídeos caseiros de sobrevivência

Na tela, a trilha sonora se encarrega do suspense enquanto letras garrafais alertam para que o internauta não confunda realidade com ficção. O suspense segue por alguns segundos até que... Tam, tammm, a percussão anuncia o início da aventura. Um homem caminha em campo aberto, enquanto o narrador exclama, com voz grave, séria e ligeiramente sussurrada:

"Meu nome é Herivelton. Hoje, estou na lendária Serra do Mar. E vou te mostrar tudo o que você precisa saber para se manter vivo até ser resgatado..." A ação se desenrola. Herivelton se pendura em cipós, escala cachoeiras e mastiga insetos. Enquanto isso, a voz a la dublador de TV a cabo segue em tom épico: "Mas para isso você terá de encarar grandes cânions, construir abrigos, encontrar alimentos e engolir mais do que o seu próprio orgulho."

Corta pra vida real. Distrito de Marsilac, extremo sul do município de São Paulo. Vestindo luvas táticas e um uniforme camuflado semelhante ao do Exército brasileiro, o monitor ambiental Herivelton Soares, 37, aboleta-se atrás do computador para exibir as estatísticas do seu canal no YouTube.

Criado em fevereiro de 2014, o "Atlântica Sobrevivência" tem 16 vídeos, 1.400 inscritos e 65 mil visualizações em 79 países. Os números não chegam a chacoalhar o mundo digital, mas, ainda assim, deixam o criador um tanto orgulhoso. Principalmente porque os recursos de Herivelton são mínimos. Nada que chegue aos pés dos programas que o inspiram, como o do irlandês Bear Grylls, famoso pelas estripulias selvagens na TV a cabo.

"Ele tem um cara só pra cuidar da segurança do operador de câmera. Tem uma equipe de umas 15 pessoas", diz o monitor ambiental, que, diferentemente de seu ídolo, roteiriza, grava, atua e edita os próprios vídeos (às vezes contando com a participação do ex-cabo do Exército Israel Charles). O equipamento se resume a uma filmadora de míseros três megapixels, um tripé e um precursor do pau de selfie, improvisado com canos de PVC.

Apesar da simplicidade, o "Atlântica Sobrevivência" não se furta dos efeitos especiais e investe pesado na teatralidade. Para o próximo vídeo, por exemplo, a ideia é simular um acidente de helicóptero. "Primeiro a gente mostra os destroços, depois o cara acordando de repente, abrindo o olho desorientado, sabe como é?", explica Herivelton, enquanto mostra as fotos da aeronave, já com efeitos de labaredas digitais.

Quanto ao conhecimento transmitido nos vídeos, uma boa parte veio da infância, no Pará. Filho de lenhador, o futuro ambientalista acompanhava o pai em incursões de até três meses pela Amazônia. Mais tarde, já como monitor do Parque Estadual da Serra do Mar (núcleo Curucutu), vivenciou também a experiência de estar perdido. Foram três dias até a chegada do helicóptero de resgate. "Eu estava com um grupo de 12 escoteiros, a gente tinha comida e os meninos sabiam se virar, então não teve muito problema", conta.

Corta. Mata atlântica, Serra do Mar, ainda no distrito de Marsilac. O fim da tarde está surpreendentemente frio para o final de outubro. Um nevoeiro denso e úmido recheia a mata de silêncio e melancolia. Completamente paramentado, Herivelton caminha até um local propício para uma sessão de fotos. Mas, no percurso, muda de ideia.

"E se eu entrasse na água?", propõe empolgado. Antes que alguém tenha tempo de responder, ele dá mais alguns passos adiante, sai da trilha e, de roupa e tudo, se mete até a cintura num pequeno lago lamacento. O fotógrafo se posiciona, mas Herivelton ainda não está satisfeito.

"Deixa eu fazer um negócio aqui, pra ficar mais selva", exclama, e mete a mão no fundo da água gelada, apanha um punhado de plantas e barro, joga sobre a própria cabeça e esfrega no cabelo e por todo o uniforme camuflado. Depois se coloca em posição de ataque, o corpo inteiro em prontidão, perscrutando a selva. "Isso é que fica da hora, a tensão e a expectativa", explica. Bear Grylls provavelmente concordaria.

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