Equipe médica do GP Brasil atende de pilotos fujões a torcedores bêbados

Deitado na cama do centro médico, no autódromo de Interlagos, Fernando Alonso dizia aos doutores que o deixassem ir. "Deja me, deja me", queixava-se o piloto, já nu para ser examinado. Poucos minutos antes, o espanhol havia batido em um muro de proteção, depois de atingir um dos pneus do carro de Mark Webber. Era abril de 2003, etapa brasileira da F-1, e curiosos, imprensa e fãs aguardavam ansiosos atrás das portas brancas.

As cenas que os médicos do automobilismo testemunham ficam escondidas do público, assim como sua presença nas provas. No próximo fim de semana, quando acontece o GP Brasil de F-1, eles estarão novamente nos bastidores.

Formada por mais de 170 pessoas, entre médicos, enfermeiros e técnicos, a equipe nacional está entre as três melhores do mundo, segundo a FIA (Federação Internacional de Automobilismo).

Coordenada por um trio paulistano, ela conta com sala de raio-x, leitos de UTI e até banco de sangue, além de helicópteros à disposição.

"Tem mais estrutura do que muitos hospitais na cidade São Paulo", avalia Pedro Rozolen Júnior, diretor médico-adjunto do GP.

Há 15 anos na F-1, Rozolen fica na torre do autódromo, dando ordens aos profissionais que estão espalhados -¶ por Interlagos. Ele vê toda a corrida por monitores, em um espaço fechado e escuro. "A visão de uma janela seria inferior à das câmeras."

As telas captam detalhes dos 4.300 metros de extensão da pista, além da torcida na arquibancada. Foi uma delas que mostrou a cena de Alonso sentado ao lado do carro, após a colisão. Ele saiu sozinho do veículo e logo se sentou, desnorteado.

QUEIXAS

Na época do acidente, o cirurgião Dorival de Carlucci, hoje supervisor do centro médico, integrava o atendimento na pista. Ele conta que, depois de dizer que estava bem, Alonso começou a se queixar por ter saído da corrida. Com a interrupção da prova naquele dia, Giancarlo Fisichella, da Jordan, venceu a etapa brasileira.

"Se estão bem, eles já reclamam, ficam pê da vida porque queriam correr", conta Rozolen.

A frustração dos pilotos por não concluir o circuito recai sobre os médicos, quando os competidores tentam escapulir dos exames, mesmo que tenham batido a centenas de quilômetros por hora.

No ano passado, diz Carlucci, um dos pilotos parou em frente aos enfermeiros, bateu no peito, deu dois pulinhos e disse: "Estou ótimo, ninguém vai por a mão em mim" e saiu -¶ andando. Aí foi necessário relatar o acontecido para a direção da prova. "Os pilotos que saem bem do carro são os mais difíceis. Eles vêm bravos."

Médico do brasileiro Felipe Massa, o oncologista Dino Altmann, diretorgeral da equipe médica do GP, mostra que as queixas não são novidade. Há 26 anos no automobilismo, viu o britânico Nigel Mansell reclamar de Ayrton Senna após um acidente em que os dois se envolveram, nos anos 1990.

ATENDIMENTOS COMUNS

Apesar desses casos serem mais glamourosos, eles são também os mais raros. O desenvolvimento das tecnologias de segurança permitiu que acidentes com vítimas fossem pontos fora da curva na F-1.

O mais comum é atender mecânicos com cortes e queimaduras ou ocorrências inusitadas. O trio lembra de algumas histórias, como a do meteorologista de uma equipe que caminhava observando o céu quando caiu de um barranco e a do torcedor bêbado que, inconformado com uma derrota de Massa, pulou a arquibancada para bater no adversário. "Só que a arquibancada tinha quatro metros", diz Rozolen, entre risos dos colegas.

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ETAPAS DO ATENDIMENTO

Helena Wolfenson/Folhapress
Simulação de acidente durante o treino para o GP, no Autódromo de Interlagos, em São Paulo, SP. Helena Wolfenson/Folhapress, ESPECIAL) ***EXCLUSIVO FOLHA*** - Médicos fórmula 1 - *SAO PAULO, SP, BRASIL, 31-10-2015, 9h00: (Foto: Os médicos Dr. Pedro Rozolen Jr. Dr. Dino Altmann e Dr.Dorival de Carlucci Jr, em dia de simulado de corrida no Autódromo de Interlagos
Simulação de acidente durante o treino para o GP, no Autódromo de Interlagos, em São Paulo
  • Antes de entrar na pista, a coordenação médica precisa de autorização da direção da prova. Geralmente, a chamada equipe de intervenção, formada por dois médicos, chega primeiro. Eles observam os sinais vitais
Helena Wolfenson/Folhapress
 Simulação de acidente durante o treino para o GP, no Autódromo de Interlagos, São Paulo, SP. Helena Wolfenson/Folhapress, ESPECIAL) ***EXCLUSIVO FOLHA*** - Médicos fórmula 1 - *SAO PAULO, SP, BRASIL, 31-10-2015, 9h00: (Foto: Os médicos Dr. Pedro Rozolen Jr. Dr. Dino Altmann e Dr.Dorival de Carlucci Jr, em dia de simulado de corrida no Autódromo de Interlagos
Simulação de acidente durante o treino para o GP, no Autódromo de Interlagos, em São Paulo
  • A ambulância, carro que faz o transporte da vítima, estaciona na frente do carro, para protegê-la. Após checarem vias aéreas, respiração e circulação do piloto na pista, os médicos seguem para o centro médico
  • Com 460 m², o centro médico tem 70 pessoas a postos. O local também tem um banco de sangue, caso haja necessidade de uma transfusão, e leitos de UTI. Ali, evita-se fazer procedimentos invasivos, como cirurgias
  • Além da infraestrutura instalada em Interlagos, três hospitais da rede D'Or São Luiz, responsável pelo atendimento no GP, ficam de retaguarda. Nos dias do campeonato, 23 médicos permanecem de prontidão nessas unidades
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